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#22

 


. façam de conta que eu não estive cá .

na rua do lado: dois cães, de lombo pesado, passeiam duas dores mais ou menos semelhantes. já nesta rua o velho adormece ao som de seis pés. do cimo do prédio ela inclina-se, o pescoço a anunciar a queda. de súbito, por diante da transparência do semblante, o latido urgente, como se ambas as ruas se inquietassem com um futuro próximo. ontem era tempo de ser hoje, de hoje em diante já nem ontem era tempo. conhece, decerto, tão bem o tempo que o abandonou, algures entre a retina do olho direito e a pálpebra do esquerdo, conhece, decerto, tão bem a vida que a matou num breve bater de palmas. às vezes passeia a solidão do seu corpo pelas duas ruas, pelos dois cães ou pelos seis pés, ninguém sabe, só a vêem quando a noite desce sobre o parapeito da janela, onde, morta, vem dar de comer aos pombos pela manhã.
 
Autor
Margarete
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Enviado por Tópico
Alemtagus
Publicado: 08/09/2009 21:12  Atualizado: 08/09/2009 21:12
Membro de honra
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Localidade: Montemor-o-Novo
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 Re: #22 p/ Margarete
Se Dali fosse vivo e lesse este teu texto, não me resta dúvida alguma de que pintaria mais uma obra de arte, tal é o pormenor descrito e quase desenhado em palavras.

Beijo
sAl do Mar

Enviado por Tópico
cleo
Publicado: 08/09/2009 21:40  Atualizado: 08/09/2009 21:40
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 Re: #22
Quase que arriscaria dizer que a protagonista desta estória seria a própria vida... mas fico-me pelo quase e pela confirmação de estar perante mais uma prosa magnífica como o são aliás, todas as outras que escreves por aqui.

Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 08/09/2009 22:58  Atualizado: 08/09/2009 22:58
 Re: #22
o que mais impressiona é este tom de luz que ilumina a tua numerologia plano a plano.

Enviado por Tópico
Alexis
Publicado: 08/09/2009 23:16  Atualizado: 08/09/2009 23:16
Colaborador
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 Re: #22
a vida mata.vai matando sim.mas renasce.até o dia.e nessa altura queremos viver.instinto talvez.ou alguma memória boa.alguns,poucos amores.laços.beleza.arte.emoção.uma lambidela amiga de um quaquer cão,apesar do seu próprio lombo pesado.uma mão.um sorriso.um olhar.são esses que te envio,daqui,do nada.porque ao ler-te uma estranha comunicação acontece.que exige vida para ser.

abraço-te humana desconhecida.
já és em mim.
alex