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Carta 36

 
De um café qualquer, em meio a pensamentos, saudades e o que me resta acreditar.



Pierre,



Ah, Pierre! Tu és sempre tão gentil. Admiro tua atenção desprovida de nenhum interesse que não fosse naquele momento, ajudar tua amiga Marie. Compreendo meu amor, tu farias o mesmo por qualquer pessoa. Fico aqui imaginando tua preocupação ao tê-la em teus braços, descrevendo a mim teu semblante desfalecido, e a forma como ela mostrou-se frágil, que homem não se pesaria numa situação dessas? Tu descreveste Marie, é uma mulher digna de encantos, está por certo, sofrendo de algum mal de amor. Ela tem tido a tua companhia e tu relatas-te a ela o que temos, então, presumo que certamente Marie o cobiçou com outros olhos, encantou-se por ti. Não quero aqui, Pierre, que nada fique às escuras, nem ao menos que uma só linha seja digna de tormentos duvidosos. Tu abriste teu coração, narrou-me o acontecido e foste sincero.

Por que eu duvidaria de ti, amour? Tu Esteves diante da tentação e não pecastes! Percorreu o teu corpo a febre do desejo, e, ainda assim, aos pés do abismo, tu resististe. Compreendo o que sentes, pois o mesmo sinto longe de ti. Recordo-me da biblioteca e queima-me a vontade de tê-lo junto à mim. Devo ser sincera Pierre, tão antes de receber esta tua última carta, me vi numa situação semelhante a tua, não no acontecido, porém no que senti. Tu sabes de minha convivência com Michel, assim como sabes que à ele relatei algo sobre o que temos, eu e tu. Ainda noite passada, antes mesmo de ter em minhas mãos a tua carta, aconteceu que ao meu entendimento, e por certo, o teu também, uma prova de fogo ao que sinto por ti. Michel esteve a me ajudar na biblioteca, ele tem sido prestativo, nada mais que isso. Estamos selecionando as gravuras para a edição do livro, isso me faz bem, pois nos identificamos, e nosso trabalho tem sido árduo para que agrade aos olhos daqueles que cultuam a poesia.

Nessa noite, do ocorrido, digo-te noite, pois, ficamos por lá até altas horas, estávamos ainda mais empenhados nos detalhes finais do nosso projeto, então, num ímpeto de insanidade, Michel roubou-me um beijo, alegando não resistir aos meus lábios que a ele faziam perder o juízo. Tu sabes amour, tua Jolie jamais deixaria envolver-se por algo dessa natureza, mesmo Michel, antes de tal ato, estar folheando e declamando Neruda. É de costume por parte dele, declamar, representar... Michel é um artista, é espirituoso e desprendido, a ele não é estranho o rubor da minha face quando lança-me olhares nada mais que fictícios, pois fica a decorar as falas da peça a qual atua, e tendo-me como platéia, atua como se estivesse no palco. Então, Pierre, digo-te que esse gesto de Michel, tão impensado, imaturo, até... Digo-te, Pierre, fez-me recordar de ti, pois ao fechar os olhos e abri-los novamente me vi cercada pelos livros, pela meia luz e nos braços de um homem, exatamente como da última vez que meus lábios tocaram os teus.

Aquilo tudo, aquele momento que não duraram mais que segundos, logo, me trouxeram ao que sou e, tão somente, ao que somos tu e eu, Jolie e Pierre. Não tive outra reação, a não ser afastá-lo de mim com minhas mãos, as quais ele segurava forte, contraindo-as contra o peito, que batia acelerado, deixando debandar a boca aos meus ouvidos, implorando-me baixinho que eu deixasse acontecer o que nós dois há tempos desejávamos. Não! Afastei-o de mim, pedi que desaparecesse e que seus olhos nunca mais cruzassem o meu caminho. Ele nada disse, soltou-me, abaixou os olhos e seguiu pelo corredor. Encostei-me na parede, olhei para o lado, na mesa a luz do abajur, iluminava as páginas abertas do livro deixado a pouco, onde os versos de Neruda, tão somente a mim diziam:

De outro. Será de outro. Como antes de mis besos

Por que em noches como ésta la tuve entre mis brazos.

Mi alma no se contenta com haberla perdido.



Pierre, recorro ao meu amor, e dele desprendo as forças que preciso para suportar toda essa saudade.



De quem jamais deixará de amá-lo,





Jolie Chevalier







Jey

 
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Jey
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