Da janela de um quarto de tormentos, de um coração que não esquece a quem pertence.
Jolie,
Não posso ocultar em palavras lapidadas, o que teus olhos não podem presenciar. Estreito-me na narrativa dos fatos, pois não desejo privar-te do que aqui acontece, me acomete, e, me faz padecer de ainda mais saudades de ti. Conto-te agora sobre Marie. Ainda hoje, pela manhã, estive com ela na Universidade, e, percebi em seus lábios pálidos, outrora tão vívidos e adornados, algum sofrimento oculto, a que meus olhos não permitiram escapar. Questionei-a sobre algum mal estar passageiro, mas, com o sorriso fugaz e amortalhado, negou-me cada uma de minhas incipientes impressões. Tão logo deu dois passos, deixou o corpo pender em direção ao gramado, e, êxito total ela teria, se eu não estivesse tão próximo a ponto de acolher seu frágil corpo em meus braços, obrigando-a a sentar sob aqueles arvoredos, refrescando-lhe as faces levemente enrubescidas com o tanger de meu corpo junto ao seu. Interroguei-a agora junto aos olhos, qual o mal que lhe afligia, e, ela confessou de suas febres e de todo o entregue do corpo a que vinha sofrendo nos últimos dias. Tentou mostrar-se forte, inerente ao que acontecia a ela, e, quando de pé se fez mais uma vez, vertiginosamente o corpo resolveu dar-lhe o último aviso, de que não mais perdoaria tais atitudes intempestivas. Não tendo a quem recorresse, pediu-me que a acompanhasse até sua casa. Concordei, e, assim partimos.
Levou-me ao seu quarto, queixava-se de tonturas. O lânguido estado de seu corpo, me fez temer por sua saúde. Sua mão quente tremulava arritmada pelos calafrios que lhe subiam pela espinha. Fez com que eu a pusesse na cama. A febre lhe queimava os olhos, e, aos brancos se atearam fogo, ao passo que me retinha a mão presa a dela. O delírio não tardou. Olhou-me sem que eu nada entendesse, sorriu-se de minhas fragilidades. As cores que a febre lhe pintavam enalteciam os delicados e jovens traços de Marie. Levou a minha mão a sua boca, desposando um beijo, esvaindo-se em suas últimas forças. Desfalecera. Atordoado, tratei de umedecer uma tolha e colocar acostada a sua testa. A febre a vitimava. Aproximei-me para sentir que ainda a tinha, temeroso de que mal maior pudesse tê-la acometido. Sua respiração fresca banhou-me as faces, e, quando abrindo os olhos sorriu-me novamente, senti o abismo devorando-me a razão.
Afastei-me de seu leito. Tratei de chamar um médico, ou, qualquer outro a quem pudesse recorrer algum sábio juízo. Abri as janelas, permiti que o ar gelado da noite arrefecesse toda alcova. Tão logo anunciada à campainha da chegada do médico, esquivei-me dali. Meti-me por becos escuros, ruas entrelaçadas e desconhecidas, aportei-me aos pés de uma velha taberna do lado norte. O lugar era úmido e cheirava a ratos, mas aquilo não me saltou aos olhos, nem tão pouco às narinas. Sentei-me ao fundo, próximo a um palco improvisado, onde um senhor de longas suíças dedilhava algo musicado, que a primeiro momento pareceu-me Ronsard, mas que ao cabo de alguns goles de vinho apropriou-se mais a Baudelaire. Agarrei-me a ti, fiquei a recordar de tuas últimas linhas. Uma estranha sensação, que não denomino em nada, acompanhou-me por toda a madrugada, crispando-me a garganta, flamejando-me os dedos, até que, por fim, abandonei sensação, bar, vinho e poesia, e, fui ter contigo através dessas minhas linhas, ponderação máxima do meu amor único e indevassável por ti.
Arranco de meu coração os mais sinceros sentimentos que tenho, e, por ti já não mais duvido viver tudo isso que sinto em meu peito. Todo amor que nasceu em mim, só tem sentido se for para ser e sobreviver unicamente de e em ti.
Beijo de quem te ama sem arrependimentos,
Victorio Pierre.
rody