Paulo Monteiro
Nas últimas semanas os noticiários encheram-se de assuntos nada agradáveis referentes ao Senado Federal. Felizmente, ali não ocorrem apenas assuntos escandalosos. Estes acontecem mesmo nas melhores casas, públicas e particulares. Infelizmente, porém, corrupção, nome que se confere à forma visível, da mistura entre a “rex pública” e a propriedade privada, parece fazer parte da própria natureza humana. Pode-se que dizer que a corrupção é a toxina da política.
O Centro Gráfico do Senado Federal tem contribuído em muito para a preservação da memória nacional. Já li e escrevi sobre diversas obras editas pela Câmara Alta da República. Algumas delas fundamentais para o entendimento de nossa história, como os diversos volumes consagrados a discursos parlamentares, documentos dos movimentos revolucionários e obras de nossos grandes pensadores, como a de Alberto Pasqualini, o principal teórico do trabalhismo. O senador Pedro Simon a reuniu em quatro tomos alentados, e, depois, promoveu uma seleção publicada em um grosso volume.
Sou, intelectualmente, um curioso. Uma dessas minhas curiosidades é o Acre. Talvez encontre sua causa na história, lida na infância, de um gaúcho que assinou um manifesto de apoio aos federalistas, foi excluído do exército, lutou contra Júlio de Castilhos, acabou liderando a expulsão dos bolivianos e proclamando o Estado Independente do Acre. Li, anos depois “Formação Histórica do Acre”, de Leandro Tocantins (Editora Conquista, 3 volumes, 1973), onde parece a aventura de Plácido de Castro. Fui reencontrar a obra, há poucos anos, em sua quarta edição, em dois volumes alentados e bem impressos pelo Senado Federal (2001). Uma colega de trabalho que viajou para aquele Estado me trouxe de presente.
Agora, graças à bonomia do senador Geraldo Mesquita Júnior, recebo diversas obras que se ligam à presença de Euclydes da Cunha naquela parte do país. O autor de “Os Sertões”, entre agosto de 1904 e meados de 1906, chefiou a Comissão de Reconhecimento do Alto Purus, instrumento usado pelo ministério das Relações Exteriores para fixar, em definitivo os limites com o Peru. Permaneceu longe de casa mais de ano. Ali, com a malária, comprometeu seriamente seu já combalido estado de saúde. Ao retornar começou a desenrolar-se todo o trama pessoal que culminaria com seu assassinato em 15 de agosto de 1909.
As questões das fronteiras acreanas resultariam em duas obras praticamente desconhecidas de Euclydes da Cunha: o “Relatório da Comissão Mista Brasileiro-Peruana de Reconhecimento do Alto Purus”, editado pelo Ministério das Relações Exteriores em 1906, e “Peru Versus Bolívia”, série de artigos no “Jornal do Comércio” do ano seguinte. A importância histórica e documental desses trabalhos é indubitável.
Dentre os livros que o senador Geraldo Mesquita Júnior me ofereceu está “O Tratado de Limites Brasil-Peru” (Senado Federal, 2009). Trata-se do Tratado de 8 de setembro de 1909, firmado entre representantes das duas repúblicas, ponto fim à questão de limites entre ambas. É, digamos, a conclusão do Tratado de Petrópolis, de 17 de novembro de 1903, terminando o litígio com a Bolívia, assegurando, definitivamente, o Acre como terras brasileiras. O Tratado, discutido em diversas sessões secretas pela Câmara dos Deputados, foi aprovado em 25 de abril de 1910, com 127 votos a favor e 9 contrários.
Na Câmara, o relator foi o deputado Dunshee de Abranches, “político publicista e historiador”, no feliz resumo do senador acreano. Esse relatório consta do livro (págs. 63 a 149), resumindo tratados e relatórios de expedições realizadas anteriormente aos confins do Rio Purus. É um verdadeiro resumo da ocupação daqueles rincões brasileiros. As sessões secretas da Câmara dos Deputados ali também estão documentadas, além de diversos outros documentos de interesse histórico, antropológico, geográfico e cultural.
Na exposição de motivos, assinada pelo Barão do Rio Branco, em caminhando o Tratado ao presidente Nilo Peçanha (págs. 29 a 59) é salientado o relatório elaborado por Euclydes da Cunha. Pena que o grande estilista, já estivesse morto. Foi a coroação de sua vida, do sacrifício do amor pessoal, pelo amor ao Brasil.
Há meses o Brasil lembra o centenário da morte de Euclydes da Cunha, promove congressos, encontros, seminários, conferências, mas poucos lembraram-se do centenário do Tratado de Limites Brasil-Peru, de 8 de setembro de 1909.
Ainda bem que o senador Geraldo Mesquita Júnior e o Senado Federal não esqueceram que mesmo Euclydes da Cunha não nos tendo legado “Um Paraíso Perdido” contribuiu para que encontrássemos um éden chamado Acre.
poeta brasileiro da geração do mimeógrafo pertence a diversas entidades culturais do brasil e do exterior estudioso de história é autor de centenas de artigos e ensaios sobre temas culturais literários e históricos