O banco era em ferro fundido, com uma velhice orgulhosa que datava da época vitoriana. De assento corrido virado ao mar na marginal aquecida por um sol tímido. Ocupado por dois ciclistas extenuados das voltas contínuas e repetidas diariamente, o banco testemunhava a entrada da manhã quando o sol dilatava as ripas de madeira mil vezes substituídas e agora ocupadas por duas velhas entretidas no croché e na maledicência da filha da vizinha que marcara casamento á pressa. O sol ia mudando a sua posição na elipse diária carregando agora o sobrolho numas nuvens ameaçadoras que o insistiam em seguir na curva que estabelecia.
O banco tinha nas pontas um espaldar para os braços em ferro dobrado à força de calor e martelada formando um semicírculo perfeito onde o velho pescador descansava os braços da labuta de tantos anos que já lhe perdera a conta. Via as ondas a bater no molhe e semicerrava os olhos como que lhe adivinhando a violência de encontro ao leme imaginário que segurava nos braços dormentes.
Na tarde exausta que caía enfim o banco ficava de frente para o farol que guiava os marinheiros desde que existia ali e sentia a luz que ia e vinha no movimento perpétuo com que o afinaram. Era o traje de gala para a noite que se adivinhava onde o banco desta feita fazia de leito aos namorados, anfitrião de juras de amor que o velho ali mesmo tinha feito. Queria agora o velho reunir-se de novo ao objecto das suas juras no céu estrelado. O banco ficaria ali como sempre testemunhando as arribas das traineiras no mar encapelado que lhe salpicava os bordos debruçados sobre o molhe.
Não enferruja o velho banco, nem com os salpicos da água, nem com a chuva que por vezes o torturava, nem com o suor da refrega dos amantes, nem com as lágrimas das mulheres que perdiam os homens nessa tarefa inglória de arribar.