Poemas : 

Na beira da palavra em que me acolho

 
Na beira da palavra em que me habito
em afluências cíclicas de um mar bravio
afundado em embriaguez do mosto,
navega aposto, lírico perfil de um rosto
Que já não vejo
Que já não sei se quero mais lembrar o traço.

Na margem da palavra em que escrevo
Cada rima
Cada verso
Encalha na areia da praia-mar um veleiro
Sem bússola
Sem carta, sem epístola da marear.

Na borda da sílaba em que emudeço
o sonho e adormeço roxa adornada ao sono,
reside agora a fonte plena d’um Outono
A escoar-se em pranto
A escoar-se em sal e sangue, de um livro aberto
no canto nono.

Releio e soletro as letras, ora angulosas,
ora difusas, que me contam uma epopeia
de abandono.
Que me falam de desassossego e de tristeza;
Que me falam de mares, marés e mareantes;
Que ma falam da ausência de calor humano.
De perda
De dor
De dano.

Na beira da palavra em que me acolho,
já não moras, não és mais verso, não és mais terço,
que ferida, que magoada,
te silencio e me amortalho no silêncio desta noite
na metamorfose do nada.


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Autor
Mel de Carvalho
 
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Enviado por Tópico
Valdevinoxis
Publicado: 17/06/2007 22:29  Atualizado: 17/06/2007 22:29
Administrador
Usuário desde: 27/10/2006
Localidade: Aguiar, Viana do Alentejo
Mensagens: 2118
 Re: Na beira da palavra em que me acolho
Muito bom, Mel. Mesmo muito bem escrito.

Valdevinoxis

Enviado por Tópico
cleo
Publicado: 17/06/2007 22:54  Atualizado: 17/06/2007 22:54
Usuário desde: 02/03/2007
Localidade: Queluz
Mensagens: 3731
 Re: Na beira da palavra em que me acolho
Silenciosamente... leio e releio o que tão bem escreves!

Beijo

Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 18/06/2007 08:38  Atualizado: 18/06/2007 08:38
 Re: Na beira da palavra em que me acolho
Escrita feita de sentidos, os dela e os teus.
O mar é a tua vida, é movimento é devir e, esse é o grande significado e significante nas tuas palavras-cheiro, cor, som.
Depois, os teus poemas trazem neles cultura, não essa que se quer impor, mas ela própria, raiz, tronco.
Há uma linha condutora nos teus poemas, que não cansa, antes fecunda o próximo, melhor sempre que o anterior.
A tua poesia é feita de encantos, vivo nela como maré.
Um beijo de Mel