Poemas : 

Tantão

 
Por alguma douda razão
Não pude dormir
Era meu parto de mim
Me pari de mim
Meu útero de onde eu mesmo saí
Era uma rede bege claro numa sala azulada de tinta fresca
Minha mãe me perguntou
O que você vai fazer?
Viver eu disse
O que?
Ser
Que horas são?
Eu deveria tentar dormir
Mas o seis me impede
É uma manhã chuvisquenta
Eu nasci de novo de mim
Minha placenta uma rede balouçante
Eu nasci sem camiseta com uma bermuda curta rasgada de tanto usar
Eu comi minha gosma e agora me amamento a mim com leite de fé
Minha mãe instou contra minha teimosia
Você me abandonou me deixou sozinha na cama
Não mãe é que eu não tinha sono e quando deitei um mosquito zumbiu no meu ouvido
Me deu raiva e faziam exatamente vinte e seis anos da hora que eu tinha nascido
Mas eu nasci agora há pouco
Me pari de mim pro mundo desconhecido da minha entrega
Rabujento isento de esperma no núcleo abstrato do substrato último sonoro
Do som do silêncio latejante estremelicando letras incorrigíveis no imprevisível
Agora eu bebo leito grosso e úmido de minhas tetas de elefoa
A tromba ruge e tenho ansiedade pela próxima frase que não posso calcular
A próxima frase que não quero e não devo pensar
Que só assim soa agradável apesar de destituído de sentido fraternal
Quero
Não sei o que quero
Minha mãe talvez impaciente já se aquietou e talvez quase durma
Tenho dó porque ela dorme de lado e sinto o bruxismo que ela não consegue evitar
Tenho raiva porque às vezes erro mesmo sabendo que estou errando
Não quero desperdiçar minha semente e minha mãe bufa descontente
Porque queria me ver sem olheiras fundas negras no dia do meu aniversário
Mas eu que não sei o que sou
Que estou em crise de abstinência do meu cânhamo querido
Não queria mais dormir
Quero fazer trinta e três flexões fervorosas e despertar pro dia cinza no paraíso
Quero terminar de comer aquele melão e guardar no cesto as cascas e sementinhas
Quero acender mais um cigarro eu que não sou fumante mas pelo menos é alguma fumaça que engana
Quero escrever num livro eletrônico de uma página só sem fim
Eu sou uma solidão muito bem acompanhada
Minha mãe talvez sonhe agora talvez eu lhe diga em sonhos que a amo
Ou talvez ela apenas descanse exausta livre da novidade do sonho
Mas eu não sei me conter
E tudo é relaxamento e confiança
Confiança num futuro que nunca vai chegar porque sempre morre no presente
O agora mata trucida o passado e vindouro e não quero senão a faísca fora de mim que é o núcleo mais perverso de mim
Sanguinolência bastarda e jogo veneno de mosquitos atrasado pois eles não picam mais depois que amanhece
Mas hoje é o dia mais novo da minha vida
Eu que tantas vezes já morri
Agora sou tantas frações indecifráveis do meu indistinto eu jogado ao léu das palavras saborosas
Sabores sutis que às vezes jogo sal em cima porque também quero ter sede
Minha filosofia é de doces bem doces que depois me façam achar a água a coisa mais doce que existe
Eu sou uma solidão de águia que se atira do abismo e meu amor é o abismo
Trepo com o abismo e ele bota um ovo que é covardia prenhe de coragem
Vou regar essa terra roxa com sangue de cotovias e unicórnios
Vou arar este deserto de ciência com ódio crú e maleável
Os dedos vacilam na busca por algo que não sei o que é
O centro pensante do tudo
A cor escondida no escuro mais escuro
A língua sibilando em velocidade absurda em que corrijo meus vacilos de prestidigitação
E não posso pensar no que estou fazendo
E não quero olhar mais pro que estou escrevendo
Sou uma velocidade de olhos fechados com medo de dormir
Porque quero ser o despertar mais absurdo da realidade
Mas sem ver o que estou fazendo
Quero só ser o que estou fazendo
E depois corrijo minha caligrafia ingrata
Porque não sou mais eu
Sou o deus perdido da entrega
E minha alegria é uma fé horrível que eu deveria trucidar
Mas continuo de olhos fechados
Torcendo pra estar acertando as teclas certas
Torcendo pro manuscrito ser tradutível a mim mesmo depois
Quero escrever em linguagem de baleias
Quero falar contigo em linguagem de golfinhos extraterrenos
E abro os olhos porque me dói mantê-los fechados já que o quero é estar acordado
Às vezes eu acho que já dormi demais nessa vida
Não devia mais dormir
Quem sabe morrer de cansaço e depois renascer
Isso sim seria digno
Quem sabe plantar bananeira e estremecer de abuso do coração
Ou dar um abraço no meu pai esquecido
A minha mãe agora dorme e estou mais feliz
Porque sei que minha dor incomoda
Incomoda os que me amam e estão perto de mim
Mas não quero ser uma alegria fingida
Quero antes o aleluia duma dor sagrada e sem sentido
quero antes a anestesia dessa dor que não sinto
Esse tipo de vácuo sensorial em que o tempo passa mas não passa
Em que a eternidade granítica se arrasta
Se eu sou qualquer coisa que dá pra definir ela é uma infinidade de objetos impessoais
É uma coisa sem fronteiras que beira o ridículo mas ainda assim é completa
Eu me pari de mim e não doeu
Tudo que é rosa veio me chamar de novo pra deitar
Mas eu não conseguia porque o mais legal é ver as cores
O mais legal é ter raiva de mosquitos que não te deixam dormir
E cuspir o veneno spray que mal funciona porque o que não mata fortalece
Daí sou esse dejeto de idéia mal formada
Um tipo de desavento ou desabafo sem remorso nem repúdia
Talvez uma confissão pra qualquer coisa que pensa e ouve e que está em todos os lugares e em nenhum lugar ao mesmo tempo
Se deus existe eu sei que ele está em mim
E que eu não sou eu senão o fractal de pedra que já vai indo embora pra dar espaço pro próximo
Se eu sou qualquer coisa é uma história sem começo de incontáveis átomos indivisíveis que já Fizeram parte de outras coisas
De muitas outras coisas nesse universo
E se eu puder lembrar em cada célula por onde já estive
Em deuses egípcios vindos das estrelas em espaçonaves robustas
Ou em águas de ejaculações femininas em grécias perdidas
Ou em bafos de bocejos de cães sarnentos milênios à frente que ainda não chegaram
Ou em tantas estrelas que pocam por aí afora que pareço poder alcançar esticando os dedos
Eu sou uma transparência safada
E gosto de estar de olhos esbugalhados
Gosto de não ter sono quando sei que devia estar dormindo
Mesmo que não tenha sono porque pequei e errei sabendo que estava errando
Mas a bateria ainda está na metade
E existem tomadas funcionando aqui por perto
E pouca gente sabe que hoje é meu dia mas isso não importa porque eu nasci de novo de mim
De dentro de uma rede bem trançada num condomínio de turismo de luxo em itacaré
O ventilador de teto estava ligado no máximo pra espantar os mosquitos
Eu não podia ligar o ventilador nem o arcondicionado no quarto porque mamãe tem problemas de garganta
Coitada ela acordou dando falta de mim e tinha mil picadas inchadas no rosto que ficou descoberto
E gozo do meu próprio sangue que os mosquitos arrancaram e que arranquei de volta quando os trucidei a tapas certeiros
Mas eu não quero saber de descrições
Se tem qualquer coisa nesse mundo que existe certo e direito acho que ele é livre de definição
É qualquer coisa tão perfeita que logo vai se perdendo como antigas teorias desbancadas
E minha aflição feliz e inteira é aceitar que não sei direito de patavinas nessa vida
E que se qualquer coisa eu sei logo em breve em pouco será mentira deslavada
Ou talvez um momento qualquer eu acerte qualquer proposição só por despeito
Só por não saber o que sei
Daí eu acerto
Porque joguei no ar qualquer coisa que imaginei que era só imaginação mas no fim descobriram que era verdade
Os marcianos estão por aí
Talvez a gente seja híbridos de venusianos ou os celtas ou os maias estejam passeando em alfacentauro
mas nada disso importa senão como algo interessante e supérfluo
Porque agora o que mais conta é eu aprender a ganhar dinheiro
Pra minha mãe não ter mais medo de ficar sem fazer nada na nossa cozinha cheio de mofo que o sol não alcança
Mas nosso telhado vai ser reformado e quando mudarmos pro quarto do quintal tudo vai ficar melhor
Porque o vento vai poder passar por aqueles buracos que chamam portas e janelas mais livremente
E os ácaros e musgos eu vou passando um aspirador de pó e um vinagre nas paredes pra assentar
E no fim das contas talvez eu até queira e devesse dormir
Mas um nó na minha testa e um tipo de dor na goela me acordam de novo
Porque eu não devia trocar marlboro por maconha da boa
É bem diferente uma coisa da outra
Uma faz bem mal e a outra faz bem bem
Mas também nada em excesso nessa vida ajuda
E acho que estou em excesso de qualquer coisa
Talvez em excesso de tranquilidade
Eu bem andei esbravejando contra amigos queridos
Mas também porque ingratidão não se traga
E porque tenho esperanças estúpidas de um dia o dinheiro acabar e o mundo ser mais sustentável
Será que isso é poesia?
Será que há poesia nessa doença incerta de renascer de mim?
Tusso pra confirmar que estou vivo
Minha mãe se mexeu um pouco do meu lado
Ela é friorenta e tem um tipo de manta fina aquecendo os pulmões delicados
Eu preciso parar de errar os mesmos erros
Parece que se eu me entrego a qualquer palavra que não escolho eu sempre digo que errei
Mas eu não sou um tipo qualquer de perdedor
Se eu me engano é porque eu sei o valor de uma boa mentira
Mas eu quero um tipo de saúde assassina
Um tipo de arte marcial dançarina amaldiçoada que porém nos provém de refluxos ótimos
Novos troços incomodando por dentro das veias
Talvez essa gordurinha da carne que há tanto tempo eu não comia
Ou aquele remédio pra dor muscular que esqueci o nome que tomei porque surfei com uma prancha sem cordinha
Daí eu descruzo as pernas só pra ter algo sobre o que escrever
E engulo saliva seca pelo mesmo motivo
E lembro que meus dentes estão desgastados talvez também pelo mesmo motivo
É uma volúpia maravilhosa ir inventando qualquer coisa que te prenda a atenção
Mas será que esse você no fim não sou eu mesmo?
Apesar de que logo menos já estou cinzas ao vento e você continua
Você o leitor abstrato eterno que nunca vai existir senão como um invólucro conveniente pra concepção desta arte rebelde
Quem sabe eu não vivo pra sempre se descobrirem a cura pro tempo
Quem sabe a tecnologia não chega lá e eu tenha dinheiro suficiente pra comprar minha imortalidade corpórea
Mas o que importa é que agora estou vivo
Vivo e cheio de urina na bexiga que não quero esvaziar porque estou no bojo íntimo do som sem som
Esse silêncio espaçado de palavras sem rumo
Que porém talvez te alcançam como sumo melódico duma nostalgia
Ou como arrepios azuis no teu momento de perdição
Inventa pra ti uma nova fé jovem
É o que eu estou tentando fazer pra mim
Furar meus olhos pra poder viver
E minha barriga sobe e desce parecendo que não faz parte de mim
Como esses dedos correm soltos sem eu mandar eles irem
Parece que sou só um potrinho cego recém parido
Mas já me ergo tosco sobre cascos moles
Já trepido torto por sobre paralelepípedos selváticos
Quero a onça de mim
Que não pensa
Que não prevê
Mas que beija de sopetão enfiando a língua fundo e feio
Que apalpa aquela bundinha redondiça e leva um tapa na cara
Ai como eu sou tarado não há como não confessar
Mas se eu quisesse apagar qualquer coisa que veio antes disso eu seria injusto
Às vezes é bom poder dizer pra ninguém aquilo que todo mundo queria dizer pra todo mundo
Boceta gostosa
Pronto
Passou
Agora sobrou uma malícia estranha
Uma certeza de que faço e não faço parte
Talvez sou todas as partes mas já não sou mais
Porque agora sou você que daqui a pouco também não é mais
E você também só vai ser você enquanto for essa imaginação rupestre que faço de você enquanto Estou aqui e você aí
Porque quando você for embora eu já não sou mais nada senão sinapse reclusa e você volta a ser seu segredo de si pra si
Se eu continuar existindo será que faz alguma diferença?
Pra mim faz pelo menos
Acho que é mesmo melhor acatar a essa divina impotência que se corrige estronchamente digladiado
Se tudo é tão assim então porque eu tinha que ser tão brabo?
Deviam de inventar escola de sentimentos
Pra gente aprender a paz antes da aritmética
Porque no fim vai vendo menos é mais daí já a escolinha está toda errada
Mas eu nasci de mim e não doeu
Foi mais uma morte sem medo daonde eu saí um eu novo
Talvez eu tenha dado um salto pra um lugar que não sei onde é mas que apesar disso ainda é aqui
Ou talvez isso tudo não seja lugar nenhum e sim apenas um momento
Um momento duro e ininteligível que porém é a realidade toda autocontida num suspiro de orgia sacramentada
Se fosse pra desenhar um desenho
Eu desenharia salomão transando com as mil esposas ao mesmo tempo
Agora minha mãe acordou e graças aos céus parece que ela vai terminar o sono dela de barriga pra cima
Tenho dó porque a postura dela ainda é prematura e quando eu abraço ela tirando do chão sempre estala a cervical toda
Só que eu voltei a surfar com meu pai esquecido e o resto são detalhes
Eu voltei a sentir aquilo que eu sentia quando nem sabia que era gente
Quando eu tinha três anos de idade e morava num canavial isolado e já tinha ereções com revistas de nudez
Mas eu nunca quis transar com homem e isso pra mim é uma felicidade tonta
Já não importa se isso importa ou se vai fazer você chorar
Está saindo como sai um cocô bonito
Talvez seu sorriso é o restinho que ficou na cerâmica
E eu relaxar agora é estar passando a escovinha pra alimpar
Eita coisa feia arretada vai dizer qualquer transeunte nauseabundo
Mas ainda tenho vontade de fazer xixi e a internet sem fio não pega daqui mas isso pouco importa
Gosto de escrever no bloco de notas sem frufruzices
Às vezes eu escrevo com letra branca em fundo negro
Mas é só pra cansar a vista dos opacos que ainda não sabem beber água como devem
Parece que passou muito tempo desde que comecei mas foi logo agora
Se estou escrevendo tão rápido talvez é melhor você também ler bem rápido
Não se apegue não
Não se aperreie por causa de folha virgem estrupada
Essa minha página não tem fim
É virtual digital
Como a do saramago
Mas eu não sou tão arrogante assim de me achar tão bom quanto alguém tão famoso
Só importa que estou aqui
Deus se é que existe me obriga a respirar
Eu às vezes travo meu corpo todo só pra sofrer um pouco um sufocamento alienado arbitrário
Mas é bom porque daí quando o ar entra ele vem com tudo
Eu gosto também de abrir a cabeça mas não no sentido figurado
É que nem abrir os olhos mas você abre os ouvidos
Se é que dá pra ter uma noção do que estou tentando transmitir
Abra teu labirinto
Infiel
Com calma
Devagar
Faça diacho de silêncio
Não transgrida essa transa imbembe
Vê se me dá esse corpinho e larga mão de frescurite aguda
Eu pelo menos sou pobre mas não chamo ninguém de vagabundo
Só não tolero ingratidão
Se eu criar um filho gordo que depois vai embora sem dar tchau eu vou mesmo esconjurar uns meses
Mas dane-se
Eu nasci de novo
Saí do ventre sebento do meu passado inventado
Porque só existe esse agora bem já que dura pra sempre
Ou pra nunca
Dá no mesmo
Faço força no maxilar como se fizesse musculação nas raízes dos dentes
Faz efeito sim porque meus cisos tão todos aí bonitinhos no lugar
Um tantão de baboseiras humanas demais dirão os velhos ressequidos
Mas não estou nem aí porque eu amo clarice lispector
Que me dou o direito de soletrar em minúsculas só pelo efeito têxtil
Como me dou direito de tantos erros de sintaxe só pra sintetizar a essência impossível de captar
mas ela está lá
Não adianta procurar porque não dá pra ver
Mas quem for bem claro e liso vai sentir
Não como se sente qualquer toque à pele mas um tipo de sensação
Talvez quando a sensação cruza a fronteira da beleza e alcança o sentimento
Já passou uma hora desde que nasci de novo e minha barriga roncou bonito
Acho que é um bom sinal
Fome tem a ver com energia gasta
E é gastando que se alarga
Vou parar só um pouquinho porque quero beber água e lançar água fora
Mas tenho medo de perder o fio da meada sem noção dessa ode
Mas eu sei que reencontro
Porque ele está bem aí em todo canto
É essa cantoria super grave no cerebelo
De algum jeito é alguma coisa que muitos têm em comum
Ou não
Tem que jambrar pacas pra chegar naquela calma de espírito
Mas existe aquele melão aberto esperando na pia da cozinha novinha em folha
Tem também bananas e maças mangas e outras coisas lá na fruteira mas não quero pensar nisso
Não quero descrever nenhuma paisagem assim palpável
Eu sou esse sorriso sincero sem linhas
Delineado num tipo de eteridade trânsfuga e idiota
Mas eu me perdôo
E o vento que vem do sul tem um cheirinho de azaléias
Apesar de eu não saber como é o odor provavelmente muito agradável das azaléias
Talvez foi algum pato selvagem que me contou isso e agora estou passando adiante
Vou fazer tirar a água do joelho e cargar a bateria antes que o arquivo se perca por desdém
Pronto eu quase fui dormir mas bebi dois copinhos dágua e uma caminhoneta passou na rua sem asfalto fazendo barulho na lama
E isso me fez querer continuar
Apesar de eu saber que ia fazer bem pregar um pouco os olhos pra não acharem que estou com cara de doente bem no meu dia
Eu sei que depois eu vou lembrar
Agora ainda é só prepotência porque ainda estou insone desbravando matagal
Mas eu sei que depois eu vou saber continuar isto daqui
Pra você não vai ter pausa porque você é o meu futuro imprevisível
Mas eu vou me permitir uma pausa agora
Pra minha mãe ficar um pouco feliz mesmo sem saber de nada disso porque ela está dormindo profunda linda do meu lado
Esfrego os olhos sem sono mas vou me esticar um pouco pelo social
Só pra partilhar um tipo de rosto mais natural já que vão querer fazer bolo e cantar velas pra mim hoje
Tudo bem
O nenê nasce
Daí chupa o peito arrota e capota no berço
Agora o dia aceso é meu mosquiteiro não precisa mais de veneno
O véu do sol vai acomodar minha impaciência refugiada
E eu sei que vou saber continuar porque tremeluz água viva no meu coração arredio de moleque
Já chega a próxima linha vai sair não sei quando pra mim é bem depois pra você já é logo agora
Eu sou o predestinado porque eu sei respirar debaixo dágua
Arrancar o oxigênio indolor da massa aquosa rutilante
Vou apertando firme com frimesa as rédeas sonsas deste corcel
Cavalgo o prazer de me desfazer de mim pra me reencontrar surpreendente
Junto os farrapos de minha experiência pra montar um patchwork colorido
Acolchoado de retalhos que me aquece no inverno hiperbóreo
Lanço ao céus pedras estilingadas em caça de aves gordas
Mas sem sorte acerto os cumes aéreos do vazio e me desvio das gravidades
O empuxo mágico mítico da ensolação faz voar a inteligência do bicho domado
Mas se sou vertigem de instinto logo escarneço o que suponho controlar
A vida é astuta sem medida
Não pede beijos nem carinho isto damos por dádiva recíproca
Que pra reproduzir basta a violação íntegra
E o suor seco da catinga se esconde no sovaco
As coceiras ruidosas banham de crepúsculo
Não há hora de temor senão a do aprendizado
E é trabalhando que se aprende o ofício
É dando nomes que descobrimos a fusão
Fingindo ceifar roubamos mérito ao fruto quedado
A brisa sopra um desconforto que contorna minha cútis
Na floresta de mil dimensões um anjo da guarda espreita
Impede o passo antes que se pise na peçonha negra
E a escuridão pavorosa da noite sem lua me afaga de mistério
Festança sonâmbula eletrizando bicos calados
Os olhares flamejantes dos gatos do mato salpicam vagalumes de estrelas mortiças
Serpentes furibundas circeiam o acampamento lerdamente
Ateio fogo em meus cadernos em minha morada
Prefiro deixar aos filhos o legado do aprendizado
Evitar a guerra pela herança que derruba o que havia de família
Vou espalhar sementes enquanto é tempo
Derribar velhos ídolos em nobre intento
Mas a sagacidade das estranhas me estanca
Sou um texto desvairado que não se prevê
Sina lúdica
Marretando meianoites em pleno dia
Toda luz vem da treva
Cada astro queima fósseis de pontos zeros
Em equilíbrios dinâmicos fluorescentes
E odeio as conspirações fluoretadas de escovações semióticos
Quero mais o insuportável a alucinação simbiótica
Quero mais ser formigas e antas e pacas e tatus
Sou coiotes esfaimados rumando à terra prometida
Matilhas de cães ladram em mim
Peneiro oleosidades de minha pele treslumbrada
Sou palavras cheia de oco estupefato
Dando todas faces a bater
Que me inchem as fuças se é que me ensina
Que me quebrem os ossos se é isso que fortalece
Mas sou um último matador
Mafioso pagando pra dispensar falsos amigos
Correias do passado me prendem às canelas
Mas arrasto fantasmagórico os elos da concórdia
Invisto em teoremas descabidos e afoitos
Rogo por dominar aquilo que me transcende
E me expulso de mim por precaução
Por sabedoria adquirida em desditas cumuladas
Quero a velocidade suprema do beijaflor
Congelado no oblivion transmoderno
Quero a intrínseca paixão das ramagens e madressilvas
Correr singelo como barbatanas de tubarão branco
Estourar fogos de artifício na alma entorpecida
Bombas atômicas detonadas sem se notar
A radiação me desmancha as tranças
Sou a fronteira entre a palavra improvisada e o atino corriqueiro
Insuflando onomatopéias em braille transviado
Encobertando inocentes nazistas injustiçados
Venho realizar um sonho matutino em breu catalítico
Sou todas as esferas que não se tocam senão na tangente inexequível da lembrança
E o universo de lembra de mim
Faz memória de meus semblantes e a pedra reclusa em meus nervos eclode magma vulcânico
Túbulos ornamentais de postagens comedidas
Sou a comédia de babilônias quedadas
O ranço medicinal das masmorras enterradas
Quero o sotaque mordaz do favelado cibernético
Todas analfabetizações da imprudência
Por entre sôfregos pensamentos impensáveis a morte do caleidoscópio do ego
Trovejando trombas dágua corredeira abaixo
Arrancando blocos monumentais de fuligem transpirada
Extraindo dos poros ácido sulfúrico de liberdade controversa
Sou em aglutínio de relações imprevistas dando foco sob cataratas incuráveis
Quero a paz mundial
Permito o sonho infantil em mim
De mim parte uma seta de anil chumbado
Que atravessa o coração do mundo
Estou escrevendo com meus pelos eriçados
E mentindo sobre o que talvez nunca poderia sentir e que quem sabe te toque como piano recostado que recupera a vida antiga de bordéis e botequins do faroeste mandacaru
Vou vestindo pés de meias e resguardando os aquários de ilusões sagradas que cabem nos bocejos da estupidez
Vou sangrando invisivelmente um surrealismo abrupto de inutilidades lamentáveis
E os pólos se revertem pra me dar razão
Os oceanos bramem sortilégio rugoso pondo ponto em meu conto
Conto sem tema nem prefácio
Esparsa localidade do espírito
Ando sobre a terra com meus cabelos
E minhas pernas são rodas dentadas girando as engrenagens do momento que já deixa de existir assim que o nomenclaturo
Enclausuro em imodéstia a incerteza da sólida presença
Cuspo as tristezas dos sapos engolidos e faço chorar a dor porque não se deve atravancar a sinceridade por causa de pactos sociais ultrapassados.

31 de Agosto de 2009; Itacaré, Bahia.
ORGASMAGIA
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Autor
alikafinotti
 
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Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 09/09/2009 21:46  Atualizado: 09/09/2009 21:46
 Re: Tantão
este comento por o achar absolutamente fantástico


abraços