Dizem que o dia nasce tal hora
Em hora certa de relógio
Dizem que o dia nasce a cada dia em hora um pouco diversa da do dia anterior e da do posterior.
Se o sol nunca pisca
E a nua nunca deixa de valsar
Se o amor nunca cresce porquê é infinito por natureza
E minha vida nunca acaba porquê é fluxo e refluxo de qualquer referência ignóbil e parcial do infinito
O dia nasce quando eu bem entenda.
A mim ao menos
O dia nasce quando eu bem compreenda
Quando eu bem aceite que o dia nunca acaba
Ou que apenas começa e acaba fora desta ínfima parcela do tudo a que chamo meu ser.
Assim sendo tão comprimida esta transitoriedade de meu estado
Sendo tão óbvia a inevitabilidade de meu fim abrupto mui imaginavelmente prévio à treva suprema do existir
Assim Deus o queira ao menos!
Me faz feliz aceitar minha insólita e patética presença eletrostática como o convolucionar duma eternidade autoconstituinte.
E o mal que me fará tal ilusão
Toda funesta angústia que um dia certamente há de contrapor este meu Sim a um tal absurdo enganar-me
Caso eu não morra num átimo atropelado e livre de reflexão aturdida e descompassada
Deus queira que minha morte venha como susto inconsciente!
O mal que me fará a certeza do infinito de meu desenrolar
Há-de ser um excesso de força e fadiga.
Há-de ser um arrepio estúpido kundaliní acima
Demarcando a fronteira entre minha verdade nua e crua e a alegria de minha fantasia tão mundana
Há-de ser um amor supremo
Uma ânsia de proliferação duma cultura soberba
Para poucos
A ganância de transmissão duma herança de ignorância complacente e loucamente satisfeita de si
Satisfação alienada vivendo um mar de cores e sabores em cada irrelevância.
Há-de ser uma ponte a um futuro imprevisto
Uma vitória sobre minha imaginação supérflua
Minha ilusão há-de resgatar-me sempre da desilusão com outra maré de insolente abundância de presunções.
Que os ângulos retos do templo que é meu corpo sejam a honra que concedo a meus filhos
Deus queira que haja filhos paridos de ventres ímpios dotados da agudeza desta minha falha de caráter
Este supremo sim a uma impossibilidade
Este imenso abraço em que o cosmos todo me aquece com sua incontinente indiferença.
Ao menos valsarei sempre como folha despregada do galho em meio a vendaval furioso
Ao menos meu ósculo será sempre uma entrega da volúpia toda de meu silêncio inefável
Ao menos minhas amizades serão sempre o campo de guerra em que apenas o mais forte de mim pode prevalecer
Em que somente o imbatível de mim restará após a carnificina da conquista.
E me vem uma revelação
Que nada tem de mística nem de instantânea
Uma chance de prestar bem atenção no fluxo de meu inspirar-expirar
Uma chance de criar uma cultura que constrói novos degraus na escadaria por onde tão inesperadamente escalei ao cume de minha mais alta esperança.
E terá fim tal escalada?
Haverá uma América ainda secreta
Além
Além dos desencontros dos vôos mais longínquos?
Sim
Além do esgotamento impostergável de minha nau
Voarão ainda outras aves mais longe
E não preciso de outra certeza.
Pois se pinto os céus com minha ode desvairada
Se marco no horizonte com fumaças liláses esta mensagem de solidão
Se mergulho no oblivion deixando fincada bandeira de sucesso sobre mim mesmo
Se abandono esta minha ínfima infinitude na certeza de que outras aves perceberão tal distância e se projetarão esfaimadas de travessias para além de minhas conquistas
Não preciso de outra certeza.