Finalmente termino a leitura de “AS BOAS MULHERES DA CHINA”, um livro escrito pela jornalista chinesa XINRAN XUE. Finalmente, porque nesta leitura me demorei demais, em alguma ocasião abandonei-a, mas sei que se fazia necessário. Dado a densidade do que absorvia. Necessitava digerir, e muitos dos conteúdos na verdade me bateram, derrubaram. Grande leitura.
Xinran vivenciou enquanto Jornalista as experiências intrigantes, violentas, arbitrárias e absurdas da população feminina da China, em várias fases, quer na China revoluciona-ria como na China atual. Foi guindada a escrever um livro o que na China não foi permitido e motivou sua mudança para Londres.
A Jornalista a través de um programa de Rádio chamado “PALAVRAS NA BRISA NOTURNA” chega às mulheres de toda a China, e gera reflexões, não por polemizar questões culturais, mas pela forma sutil, leve e inteligente de falar a cada uma. Nesta seqüência além de notoriedade, conquista a confiança das mulheres e consegue chegar enquanto jornalista no mais íntimo de cada uma que aborda, arrancando revelações surpreendentes e contundentes.
No bojo da literatura é claro a perspicácia, coragem da escritora de falar ao mundo, fatos até então nunca revelados ao Ocidente, não da forma por ela descrita. Nesta hora todo o suposto conhecimento que pensava ter cai por terra, por mais conhecedores e cultos que sejamos os meandros da vida real, por trás da permitida observação, são muito, imensamente diferente do que sequer imaginamos.
Ocultas ou com identidades reveladas os relatos dessas mulheres é permeado de atrocidades, humilhações e desrespeito. Desconhecimento total de um mundo aparte ao que elas vivem.
Muito já se escreveu sobre o tema, mulheres da Índia, Afeganistão e tantos países onde a ruptura social da identidade feminina é gritante, mas a ótica de um escrito pelas mãos e experiências femininas, difere de tudo já escrito. Xinran nos toma em emoções e reflexões quando no decorrer da obra partilha conosco suas próprias vivências, nesta hora somos nós seus interlocutores, ela nossa ouvinte. Enriquecida de detalhes, a obra chega a seu ápice. É cruel, mas ela faz um real traçado da realidade da mulher Chinesa e sua condição na China revolucionária.
Considerei a obra entre a Prosa e o Documento, no entanto prevalece a humanidade de Xiran por entre as cruas, cruéis letras discorridas. Paciência, silêncio, espera, são ingredientes mais que importantes por ela usados para transpor as barreiras do medo de cada chinesa que abordou. Alguns episódios foram prolongados, trabalho jornalístico duro para o êxito final.
Ao meio da obra revelações como: “quais são as três submissões e quatro virtudes das mulheres no pensamento masculino chinês”. No final a conclusa razão que leva Xiran a precisar conhecer das outras culturas e poder escrever sobre o vivenciado: a Colina dos Gritos, uma comunidade onde as pessoas não têm casas e moram em cavernas, não há fogão ou panelas, comida e água são escassas, não há roupas para as meninas, a maioria das mulheres tem útero caído (exposto) e utiliza folhas no período menstrual causando-lhes feridas nas coxas.
Tudo começa com as perguntas que uma universitária lhe propôs quando se encontraram: ''Qual é a filosofia das mulheres? O que é a felicidade para uma mulher? E o que faz uma boa mulher?'' (pág. 56)
Um pequeno trecho:
... A carta vinha de um garoto e tinha sido mandada de uma aldeia a cerca de duzentos e cinqüenta quilômetros de Nanquim.
Respeitada Xinran,
Ouço todos os seus programas. Todo mundo na nossa aldeia gosta deles. Mas não estou escrevendo para lhe dizer como o seu programa é bom; estou escrevendo para lhe contar um segredo.
Não é bem um segredo, porque todo mundo na aldeia sabe. Há um homem velho e aleijado aqui, de sessenta anos, que comprou uma esposa recentemente. Ela parece muito nova. Acho que foi raptada. Acontece muito disso por aqui, mas muitas das garotas conseguem fugir mais tarde. O velho está com medo de que a mulher fuja, por isso amarrou-a com uma grossa corrente de ferro. A cintura dela está em carne viva por causa do peso da corrente - o sangue escoa pela roupa. Acho que ela vai morrer. Salve-a, por favor.
Não mencione esta carta no rádio de modo algum. Se os moradores da aldeia descobrirem, expulsam a minha família daqui.
Que o seu programa fique cada vez melhor.
Seu ouvinte leal,
Zhang Xiaoshuan
Era a carta mais aflitiva que eu recebia desde que começara a apresentar o meu programa noturno de rádio, Palavras na brisa noturna, quatro meses antes. Nele eu discutia vários aspectos do cotidiano e usava minhas próprias experiências para obter a confiança dos ouvintes e sugerir meios de lidar com as dificuldades da vida. ''Meu nome é Xinran'', dissera eu no início da primeira transmissão. '''Xinran' significa 'com prazer'. 'Xin xin ran zhang kai le yan', escreveu Zhu Ziqing num poema sobre a primavera: 'Com prazer, a natureza abriu os olhos para coisas novas'.'' O programa era uma ''coisa nova'' para todo mundo, inclusive para mim. Eu estava só começando como apresentadora e tentava fazer algo que nunca se fizera no rádio.
Ressalto que ao término da leitura não sabia ao certo se me colocava feliz, por viver numa realidade e cultura diferente, mas sentia-me triste e embotada por ter conhecimento de tamanho sofrimento num universo que é o meu, vivenciado por mulheres em séculos e séculos de ultraje social.
É um livro rico, que vale recomendar. Comentar. Refletir sobre.
Referências bibliográficas: As boas mulheres da China, vozes ocultas.
Autora: Xinran Xue, jornalista e escritora chinesa, nascida em Pequim.
Tradução de Manoel Paulo Ferreira. Companhia das Letras. 2007.
[size=large]Citando:
A felicidade é branca... O amor tem matizes que nos fazem ver o infinito..
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O desejo de escrever persiste, por vezes em tons felizes, vibrantes cores, outras em tons pastéis. cor de pérola, mas o que importa é que não há r...