A história que vou contar, pretende de alguma forma ajudar a compreender as razões porque ainda hoje as tradicionais festas da Nª Sr.ª de Tróia são realizadas com a mesma vontade e crer de antigamente. Bruto foi o desenvolvimento que hoje ali se instalou na península, acompanhado de transformações que obrigaram alguns Setubalenses e não só, a adaptarem-se aos tempos dos novos senhores.
A alegria era imensa. Todos os populares esperavam no cais da Beira-mar pela chegada da Nª Sr. ª do Rosário que deixava assim a igreja de S. Sebastião para se dirigir para a capela do palácio de Tróia por uns dias. Os moradores do bairro das Fontainhas (Setúbal) são uns privilegiados, quase sempre são os primeiros a ter contacto com a Santa. A igreja de S. Sebastião está situada no cimo daquele bairro o que explica as razões porque são os primeiros.
Todas as embarcações são decoradas de cores aguerridas para participarem na Romaria em direcção à Caldeira da Tróia.
Na lota, pescadores e seus familiares fazem os últimos preparos e certificam-se, de que nada esta em falta dentro das suas embarcaçoes para os próximos quatro dias.
Durante as festas, é permitido acampar nas proximidades da Caldeira, o que torna a vida mais facilitada a todos aqueles que escolheram o fim-de-semana para observar de mais perto a sua Santa.
Reza a história, que muito antes das duas margens serem separadas pelo Rio Sado, os habitantes de Setúbal e Tróia eram como dois irmãos.As comunidades de pescadores dos bairros das Fontainhas;S.Nicolau e Troino, desenvolviam as suas actividades piscatorias em Troia e vice -versa.
Helena de que vos vou falar,tinha nascido em Setúbal e os seus pais eram pescadores. Depois da escola, ajudava o seu pai Zé e sua mãe Elisa, nas lides das redes.Apesar de gostar muito do mar, Helena gostava de um dia poder vir a frequentar um curso de Cabeleireira.So tem doze anos mas ja tem as suas ideias muito bem defenidas.
Com a partida das embarcaçoes, o som torna-se bastante ensurdecedor! As sirenes dos barcos de pesca e recreio, fazem-se ouvir por todo o lado. Chegara o tão aguardado momento, para se iniciar a partida.
Os barcos eram imensos e enormes, para participar no cortejo, fazendo fila atrás da traineira que transportava a Santa.Sem dar descanso ás sirenes e acompanhados pelo estalar dos foguetes, lá partiram todos na rumaria em direcçao a Tróia.
A miuda estava radiante, por poder estar perto da Santa e presenciar de muito perto, todo aquele espectáculo.
O seu cão Billy, é que não parecia nada gostar da festa, pois como é sabido, os cães têm pavor a rebentamento de petardos.Helena tem um Dalmata muito bonito e vistoso de cor preta e branco, que a acompanha para toda a parte desde muito criança.O mar parece não preocupar muito o animal pois, desde cachorrinho,sempre foi habituado a andar de barco.
Quando chegaram ao Palácio da Caldeira,não havia muito espaço para o pai de Helena soltar as amarras do barco. Todo o areal naqueles dias,tornava-se muito pequeno para tantas embarcações. A velha capela, estava muito bem enfeitada de bandeirinhas de variadas cores, assim como imensas e coloridas rosas,so deixavam ver a imagem da Nª Sª do Rosário.Apenas se coloca um único problema a todos os visitantes que ali se deslocam nas suas embarcaçoes. A maré recua demasiado e os barcos ficam completamente em seco ficando a aguardar que mais tarde a maré suba. Podem ver-se enormes pantanais de lodo em grandes extensões de areia escura á medida que a água é devolvida ao oceano.
Á noite, Helena já se encontrava bastante maçada das banhocas que tivera dado durante todo o dia, mas não pretendia faltar ao bailarico que a comissão de festas tivera organizado para aquela noite.A pouco e pouco,os menos timidos deslocavam-se para o pátio do palácio para abrirem o baile. Por sinal, a noite estava quente, mas muito agradável.
Helena não gostava muito daquele tipo de música.Resolveu então afastar-se e dar uma caminhada pela praia.Billy muito atento,resolveu acompanhar a sua dona.
Com a maré vazia a pequena teve de andar algum tempo até avistar a água. Contornou as rochas e descobriu que ao fundo dessa nova praia, estavam as famosas Ruínas Romanas que são retratadas nos livros da sua escola. E porque não, ir dar uma espreitadela ás ruínas?
O facto de as avistar não significava que estas estivessem bastante perto. O cão parecia estar a gostar do passeio. Andava sempre á frente de Helena a farejar e parecia não estar cansado. De repente o silêncio da noite quebrou-se quando o vozeirão do Billy começou a ladrar. Que teria o cão encontrado? Estava escuro à sua frente e Helena não conseguiu descortinar porque razão o cão estaria a ladrar.
Foi então que Billy correu como louco para o sentido oposto e sem olhar para trás, tomou o caminho de regresso para o palácio da Tróia
Assustada por não saber o que realmente se tinha passado com o seu amigo de quatro patas, Helena resolveu voltar para trás e juntar-se a ele, evitando assim cruzar-se com alguém indesejado.
O cão esperava por ela sentado ao fundo da praia e como se de uma maldição se tratasse, a areia que antes ambos tinham pisado, tinha agora desaparecido dando lugar à maré-cheia e a fortes correntes. A força da água parecia agora fazer frente a quem quer que fosse.
Para desalento de Helena, a escassos metros atrás deles, surgiram duas luzes bastante intensas. Era real, estavam mesmo a ser seguidos. Sabendo dos perigos e sem grande alternativa para se livrar daquele pesadelo, a rapariga lançou-se à água e começou a nadar para longe enquanto o forte Billy ladrava com ar ameaçador, enquanto as luzes se aproximavam cada vez mais daquele local negro, escuro e lamacento.
Foi já madrugada dentro que seus pais deram pela falta da miúda e do Pintarolas.Toda a gente se juntou àquele sofrimento dos pais de Helena e resolveram também ajudar nas buscas.
As praias foram passadas a pente fino e desde o Canto Verde até aos Fuzileiros ninguém encontrou quem quer que fosse. Os botes ás dezenas, tinham candeeiros pitromax acesos para verem com mais nitidez todos os locais escuros da zona.
Na capela os mais religiosos, pediam a Nª Sr.ª do Rosário para que esta concedesse mais um milagre e fizesse com que aquele anjo que desaparecera sem deixar rasto, aparecesse são e salvo.
Foi com o bater das sete badaladas, que um rapaz residente na Comporta muito moreno que andava á pesca por aquela zona descobriu numa praia escondida pela densa vegetação o corpo de Helena deitada já sem sentidos na areia da praia.
Ao que contou, parece que foi o contraste do pêlo do cão preto e branco que chamou a atenção do rapaz quando passava por aquele lugar no seu barco a motor.
Billy estava bem e tremelicava por todos os lados quando foi resgatado com a sua amiga da praia. Pelos vistos, o cão não deixou que a força da natureza o separasse da sua querida dona.
Gabriel Reis