Que a arte (ideal de beleza)tem como principal função retratar o belo (o que tem aparência agradável) todos sabemos, mas o que não esperamos é que junto a esse belo possamos encontrar também o feio (desagradável à vista)isto é, um misto de belo e feio nessa mesma arte. Não o feio repugnante que provoca arrepios, mas o feio tolerável, aquele que não deixa nojo, isento de piedade ou outro sentimento do gênero.
Em se tratando de beleza, principalmente na arte de dançar, ela está bem próxima, é muito expressiva, e, infelizmente, esse é o ponto de vista que está inserido em nosso inconsciente, essa é a idéia que faz parte do nosso psicológico, é dessa maneira que é feita nossa associação mental, embora sejam desconhecidas as origens de tal "conceito".
Leiam o que aconteceu numa tarde de domingo quando fui ao Teatro Nacional para assistir a um espetáculo de dança.
Entrei, e como de costume, sentei-me na primeira fila. Caminhava o bailado quadro a quadro, até que em dado momento entrou em cena um bailarino diferente..., diferente do tradicional; era jovem, vestia branco, glúteos enrijecidos sobre pernas torneadas por sessões de academia, piruetas acrobáticas, e apesar de total domínio na arte de dançar, de realizar de maneira confiante todos os seus movimentos, angariar aplausos e provocar frenesi a um público entusiasmado sendo aplaudido de pé..., um pequeno detalhe o diferenciava, escapava a tudo que estamos acostumados..., não possuía na face nenhum sinal de beleza, lembrava o tocador de sinos de Victor Hugo (*), em suma, era feio, muito feio.
Amanheceu... Estava muito excitado para prestar atenção ao relógio, saltou da cama, era o dia de sua apresentação no Teatro Nacional, por sua mente, quadros e mais quadros lembravam-lhe a aventura no mundo da dança, lutara por seus objetivos, vencera o cansaço dos ensaios diários, enfrentara o desafio da dedicação exclusiva, tivera muitas ausências em reuniões sociais...
Colocou todo material na bolsa (sapatilhas, a fantasia da apresentação, a caderneta que o acompanhava a todos os lugares) foi correndo para o teatro, chegou na hora da reflexão costumeira antes da entrada no palco, fez todos os preparativos enquanto seus colegas gritavam palavras de incentivo, ouviu seu nome ser anunciado, respirou... Entrou com elegância de movimentos, executou todos os passos de maneira correta, e como sempre, arrancou aplausos e, ao iniciar o retorno para o camarim, no exato minuto em que fazia mesuras de agradecimento, alguém na primeira fila chamou-lhe atenção, percebeu algo diferente..., um baixinho careca, usando óculos e barrigudo aplaudia com entusiasmo..., mas como era feio o tal baixinho!
Depois de algum tempo analisando o fato procurei por lições, infelizmente não estamos acostumados ao ocorrido, convivemos com a idéia clássica de que no BALÉ; entendido como coreografia apresentada ao público por diversos dançarinos, geralmente acompanhada por música; prevalece a imagem do belo, não sendo comum encontrar um fato como o acontecido e, como parte integrante da sociedade, fiquei surpreso com o jovem bailarino, mas além de aplaudi-lo com entusiasmo, desejo-lhe muito sucesso, pois, para o talento não existem limites.
(*) O tocador de sinos de Victor Hugo (1802-1885): personagem do romance Nossa Senhora de Paris (1831) traduzido para a Língua Portuguesa como O corcunda de Notre-Dame. Era feio e disforme, mas de bom coração.
Conclusão - Preste atenção ao expressar seu ponto de vista, ele pode ser o pensamento de outra pessoa, inclusive simultâneo.
Augusto de Sênior
(Amauri Carius Ferreira)
(FERREIRA, A. C.)
Professor de Língua Portuguesa, Literatras, Redação e Leitura, poeta, contista, cronista e romancista.