no teatro em ruínas
a atriz morta por estrangulamento
há cinquenta anos
no camarim
meia hora depois do espetáculo
reaparece nua no palco às escuras
há uma plateia de cera derretendo aplausos
mas a atriz com o olhar apavorado
não consegue curvar o corpo para agradecer
e tenta num gesto inútil livrar-se das mãos
que lhe apertam o pescoço de porcelana
do seu rosto transparente cai um suor gelado
as tábuas podres do palco começam a ceder
as cortinas também estragadas despencam
a plateia de cera sumiu junto com a atriz morta por estrangulamento
na memória da tragédia porém o pavor
estampado em seus olhos ainda vive
o amante chinês suicidou-se na mesma noite
com um tiro no ouvido esquerdo
num quarto de hotel a duzentos metros do teatro
meio século se passou... meio século...
agora sim as tábuas do palco desabam de vez
guinchos quebram o silêncio
do meio dos escombros saem dois ratos pardos
que se entreolham e avançam na escuridão
e na escuridão disputam com fúria assassina
a última pérola falsa que sobrou do colar da atriz
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júlio
Júlio Saraiva