Um quadro mirabolante
Há muito tempo pintei
Pior c’o inferno de Dante
Foi o que vi e pensei
Eram tão poucas as cores
Que tinha, para o pintar
Que saiu um quadro negro
Como negro era o pensar
Para poderem imaginar
A qualidade do pintor
Vos deixo estas quadras
Para verem esse horror
Pintei a vida de negro
E de roxo a cor da morte
De cinzento a desgraça
A má sina e a má sorte
Colori o tempo com dias
Da cor dos anos, a vida
Pintados foram os meses
Com aguarela diluída
Pintei um preto de branco
O branco de preto pintei
No meio pus um mulato
E pouca diferença, achei
De negro pintei a fome
Com a boca escancarada
E a sua língua de fora
Pelo queixo derrangada
Nos lábios pus uma beata
Dum cigarro amachucado
Pintado da cor do chão
Onde ele fora apanhado
Alguns homens pincelei
Com um amarelo tísico
Pus as costelas salientes
Mas não por defeito físico
As roupas não as pintei
Porque roupa era fartura
Pus uns trapos remendados
Só por decência e lisura
Na noite pintei o dia
Na lua pincelei o sol
Na aurora o crepúsculo
Onde pus um rouxinol
Do petróleo tirei a cor
Para pincelar o mar
De luto pintei as ondas
Com os peixes a boiar
De sangue borrei a guerra
Num vermelho alaranjado
Com uma bala acobreada
Na ferida de um soldado
De uma cor de poluição
Pincelei de cinzento o ar
E nos fumos uma máscara
Para poder-mos respirar
Decorei pingos de chuva
Dum branco empastelado
Pintando depois as ruas
De um sujo acastanhado
De cor de burro a fugir
Esborratei a falsidade
A mentira não tem cor
Nem tempo e nem idade
A um pérola esmaecido
Misturei pós de saudade
Saíu um malva esbatido
Que é cor da infelicidade
O amor!!! Óh esse amor!
Foi o melhor que pintei
Num guache cor-de-rosa
A que outra cor misturei
Uma mistura de amarelo
Que da dúvida é a cor
Juntei-lhe a cor do ciúme
Para lhe dar alguma dor
Ainda esbocei uma boca
Nela, uma dor de esgar
Mas como não tem cor
A dor, desisti de a pintar
A óleo pincelei a política
Numas cores esverdeadas
Como são a cor das cólicas
Que da boca são deitadas
Tentei copiar o dinheiro
Mas dinheiro eu não tinha
Pintei um bolso já roto
Mal cozido com uma linha
Cobri o rico de pobre
E a pobreza de riqueza
Mas não vi a diferença
Só se trocou a tristeza
Tentei pintar o trabalho
Com umas gotas de suor
Mas estava já tão cansado
Que o quadro ficou pior
Ao sol dei uns retoques
Pú-lo mais iluminado
Para dar luz ao quadro
Que tão mal ‘tava pintado
Chamei então um crítico
Para ver e dar sentença
Entre o muito que faltava
Ainda faltava a doença
Não a pinte. - Disse ele
O quadro já está doente
Queime-o, com os pincéis
Senão fica você demente
.........
Moral:
A vida é uma grande tela
Que recebe qualque cor
Para ser um belo quadro
Tudo depende do pintor
Sou desenhador,pintor e poeta e, nas minhas poesias tento desenhar e pintar os meus pensamentos