Ele sabia cada gosto vindo dela. Seu corpo cansado de batalhas só encontrava paz no regaço do dela. Por isso ele gostava de observar os detalhes e nuances de seu movimentar lento e companheiro. Quando podia, fingia olhar ao espelho, reforçando sua fama de narciso, mas na verdade furtava-se de cada olhar lançado sobre seu mundo. Suas coisinhas, souvenir barato, mas pleno dela. Era ela a quem ele enxergava para além do espelho. Sua alma. Era ela a quem ele queria possuir para que perpetuasse-se aquela cena, naquele momento em que fitava cada corzinha naquele armário encantado. Seguia-a pela casa para onde quer que fosse para não perder os lances secretos que eram executados em sua ausência. Corria os olhos sobre os móveis em busca de alguma pista do que estava acontecendo em sua vida, o que era fácil pois ela vivia de música e poesia. Sabia que cada passo dela era teleguiado por amor. E isso o fascinava. Quando ia-se, deixava para trás rastros seus, forma de se instalar. Ela gostava, ele sabia. Saía de casa regado do perfume escondido no fundo, para ocasiões especiais. Queria sempre marcar o corpo dela, que sôfrego, clamava pelo seu. Na grande parte das vezes esquivava-se diante do apelo urgente que teimava em dominar mas na verdade só voltaria a respirar ao sentir que ela ainda respirava e que sempre iria respirar. Suas tentativas alcançadas enfraqueciam-lhe o corpo mas não elevavam-lhe a alma. Queria mais, queria entrar dentro dela, ser com ela. Não sabia como agir. Quando aparecia a coragem, ele ia e a possuía. “Sem meras patologias”. Sem suplicar nem prometer. Gostava de deter o poder, exercer o controle. Sem perceber até, repetia os velhos hábitos de seus ancestrais ou do poder patriarcal. Sabia sem querer admitir que era mais um carneirinho. Mas o sabor doce e ilusório desse suposto poder era passageiro e ilógico. Podia enquanto podia, quando recebia longas cartas de amor, quando recebia emoções dela, que só devia pensar nele toda hora do dia. Podia enquanto a tinha em seus braços, podia quando, para livrar-se da rejeição evitava maior aproximação. Tudo deveria ser calculado para que, em momento algum, transparecesse o âmago de seu amor e o êxtase desfrutado. A fruta, quando bem mordida nos engole. Seus amigos orientavam-no de acordo com seus delírios. Ele delirava. Em seus devaneios sentia-se o próprio Rei recentemente coroado. Caminhava na rua como um pavão porque era muito amado. Secretamente amado pela mulher que ama.