Sentou-se no sofá das palavras. Pediu uma água dupla, com três cubos de gelo. Sem açúcar.
Deixou-se embriagar até adverbiar soluços e silêncios. Acomodou-se ao sítio, roçando as firmes nádegas da esquerda para a direita e da direita para baixo, afundando-se mais um pouco em cada aconchego. Bebeu mais e mais. O barman, sentado em cima de um papagaio, que cantava o último êxito gravado em CD, LP e personalidade magnética, servia-o com um sorriso nas costas.
Seguiram-se risadas e apostas. Sentindo um suave conforto nas ancas e nos flancos do seu firme abdómen, o indivíduo do sofá perguntou:
- Que anda você mesmo a fazer aqui, se no fim da noite ninguém lhe paga?
O barman não respondeu. O papagaio tinha uma bolacha no bico. Voou em ângulos diversos e confusos, até aterrar na cabeça do seu compadre.
O sofá pedia mais e mais. O absorvente de água e palavras que tinha o nome de habitante de sofá afundou-se mais e mais, até pedir uma água dupla sem gelo, de tanto frio que fazia. Sorveu as últimas gotas enquanto a cabeça se afundava até o sofá se fechar cuidadosamente sobre si mesmo. O sofá das palavras.
Restou um barman e um papagaio, que afinal era um pica-pau. Roía tudo, até os miolos de quem já nem pensava para servir bebidas, excepto o sofá.
Há quem diga que o fazia por divertimento, há quem diga que o fazia por vingança. Eu só sei que aquele papagaio falava muito.