Talvez porque a alma seja transparente e o corpo se meça com músculos e palmos de mão, será por isso que somos sempre seres invisíveis, quem somos fica invariavelmente por mostrar, ou por dizer, porque a nossa transparência não se pinta com a cor das palavras que nos saem da boca, nem se vê na dança dos gestos que habitam o corpo, somos eternas almas escondidas, como cubos de ar fechados dentro de caixas, cativos em prisões nunca inventadas, estátuas encarceradas em blocos de granito por esculpir. A mim nunca ninguém me viu ou verá, o que habita dentro, e que é o sonho maior do meu coração, é mundo incógnito para quem apenas olha, os cotovelos roçam na multidão, mas para esta serei sempre e só um corpo, um corpo com uma boca que grita palavras escritas em dicionários alheios, em nenhum deles encontrei eu algum dia a minha alma, nenhuma palavra foi inventada para ou por mim, nenhuma delas nasceu de dentro de mim, todas vêm de fora e, quando as volto a lançar para a multidão, elas levam somente o meu cheiro, não aquilo que sou, o cheiro é sempre pista para algo mais, indício daquilo que talvez não se veja ainda, mas já se sabe existir, quem me vê apenas sabe que aqui estou, o meu corpo é o meu porta-voz, mas a voz que ele transporta e que é o que se esconde por dentro, essa ninguém procura, sabe-se que existo, como ou porque existo?, isto continua como um corpo de braços abertos por detrás de um muro.
Não precisas de responder às tuas questões. Precisas é de questionar as tuas respostas.