Crónicas : 

Não Era o Jeito

 
Não era o jeito…

A frase que mais se dizia era: “Porra, o chefe é foda”.

“Seu” Osvaldo era austero. Mais de trinta anos de casa. Não ria. Nunca! Pouco se sabia sobre seu começo na firma. “É um dinossauro” exclamava um ou outro mais exaltado. Mas é fato que ninguém durara tanto.

Osvaldo tinha cinqüenta e poucos anos. Uma família feliz, cinco ou seis filhos. De netos sabia-se apenas que ele queria muito ter. Se, efetivamente, tinha ou não nada se sabia.

Chegava antes de todos. Todos saíam e ele ainda estava lá. Era sério. Não contava piadas, nem as ouvia. Dizia-se que gostava de futebol. Sequer um comentário sobre a copa ele fez. Era como se nada o atingisse dentro do escritório. Incentivava o lazer dos funcionários, mas nunca participava.

Mais um ano terminava. E todos, raivosos, reclamavam exaltadamente a obrigatoriedade repentina de presença na festa da empresa. “De onde o velho tirou isso agora?”... “Que merda”...

E o dia da festa chegou... Todos chegaram! O tempo ia passando e nada do Seu Osvaldo chegar. Começaram a comentar. “Porra, o homem nunca atrasa”... “Que merda, obriga a gente a vir e ele mesmo não vem?”...

De repente, entra pela porta um sujeito de bermuda, chinelo e camisa florida. Baforava aos quatro cantos um cheiroso charuto cubano. À mão trazia um copo com uísque. Os olhos, atrás dos óculos, denunciavam: “É o Seu Osvaldo? É, é o Seu Osvaldo!!!”

De fato, Seu Osvaldo havia entrado... De fato aquele sujeito era mesmo o velho rabugento!

“Boa noite”

Ninguém respondeu. Estavam atônitos, embasbacados... Um dos mais novos tentou, em vão, segurar uma palavra que resumia o que todos queriam dizer: “Caralho?!?”

E sentou-se no meio do pessoal. Sorriu, nunca sorrira. Contou piadas, nunca havia contado. Conversou sobre tudo menos trabalho, nunca havia falado de outra coisa.

Assim a noite aprofundou-se. Ao redor do Neo-Osvaldo, como disseram uns mais engraçadinhos, todos se sentaram. E a tudo ouviam atentos.

Ao final das piadas, não se ouvia risadas. Ele perguntava e ninguém respondia! Ele comentava e sequer um sobressalto de sobrancelhas obtinha!

Seu Osvaldo continuava. Fingia não sentir o silêncio cortante. Contava piadas e mais piadas. Acredita que até da novela das oito falou? Pois é. Mas os olhos espectadores assistiam ao espetáculo como quem assiste a um filme que não entende. Olhavam e ouviam atentos...

Seu Osvaldo não entendia. Ele queria sim agradar a todos... Pensara antes da festa que agir daquela maneira seria a solução. Não foi!

Em certo momento Seu Osvaldo, ciente do fracasso da empreitada, levantou-se, despediu-se e saiu pela mesma porta que entrara causando espanto a todos.

Chegou em casa e olhou-se no espelho. Não entendia... Coçava a cabeça!

Vestiu seu terno. Penteou os cabelos para trás como sempre fazia. Recolocou os óculos e deitou-se.

E dormiu...

Pensava que o problema era o jeito.

Não era!

Indaiatuba – 12/11/08

 
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IlitchKushkov
 
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Enviado por Tópico
Henricabilio
Publicado: 30/07/2009 11:26  Atualizado: 30/07/2009 11:26
Colaborador
Usuário desde: 02/04/2009
Localidade: Caldas da Rainha - Portugal
Mensagens: 6963
 Re: Não Era o Jeito
É o problema de apresentarmos duas personalidades bem distintas, esgrimindo a máxima: "Trabalho é trabalho e conhaque é conhaque"!... rss
O melhor mesmo é manter uma certa harmonia nos relacionamentos.
(Para fingidores já bastam os poetas... rss)
Um a_braçooo!
Abíl!o

Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 30/07/2009 12:18  Atualizado: 30/07/2009 12:18
 Re: Não Era o Jeito
o texto cravando a mensagem. e neste você escancara uma das mais claras aptidões do poeta. quando em vez; cravar verdades.
fraterno abraço.
Silveira