Aí há uns tempos, recolhi-me no meu cantinho de escrita, a tentar ver o que estava mal. Só me saíam coisas amorosas, algumas até fofinhas, e também umas devastadoras que, com alguma pena minha, são excelentes contributos para um suicídio assistido. Decidi então acabar com essa treta de "escrever com um coração". Houve alguém que disse que um tipo com eles no sítio escreve sobre qualquer coisa.
Numa terça de manhã, fui à feira procurar uma máscara de um tipo que escreve umas coisas surrealistas engraçadas. Tinham muitas máscaras de muita coisa. Até encontrei uma minha. Mas as do tal tipo estavam esgotadas, devido a uma ruptura de stock. O gajo da tenda dos sapatos até me disse que ia um carregamento numa carrinha de valores que foi assaltada na A2. Até já estes bens de primeira necessidade escasseiam.
Fiquei desesperado. Como posso eu tornar-me um escritor diferente, escrever coisas inteligentes e trocadilhos com significado? Pensei mais um pouco... Mas não me vinha nada à cabeça. E se nada me vinha a tal sitio, para que servia essa coisa então? Cortei a cabeça com uma faca de cozinha, num corte limpinho para deixar bom aspecto. A cabeça esperneou e rodopiou até cair no balde no lixo. Não sei como, mas foi lá ter sozinha.
A partir daí, pensei eu, já ninguém me podia parar. Mas o pior ainda estava para vir. A sacaninha da cabeça saltou-me para cima, num último fôlego vingativo, e arrancou as minhas lindas mãos à dentada.
E agora ando assim, a correr de um lado para o outro, sem sentido ou direcção, como uma galinha sem pés nem cabeça, sem mãos para escrever alguma coisa de jeito, e sem cabeça para me lembrar do dia em que há feira. Ainda quero aquela máscara.