NASCE UMA ESTRELA
(Ivone Carvalho)
Cautelosamente, acoplei à minha mente as asas que me ofereceste. Incentivaste-me a usá-las e voar. Não que eu não sentisse vontade de fazê-lo, vez que é da essência do ser humano querer atingir cumes, possuindo ou não capacidade, vontade ou liberdade para alçar vôos. Sentia, sim, e tantas vezes me imaginei estrela! Mas, talvez me faltasse um objetivo maior, um ideal, um sentimento tão forte que me encorajasse a fazê-lo.
Deste asas à minha imaginação. E, com elas, sonhei, fantasiei, voei.
Senti-me muito próxima do infinito e me vi estrela. Um espaço imenso ao meu redor!
Tinha plena consciência da existência de tantas outras, muitas das quais, espalhadas por todo o universo, outras, entretanto, distribuídas em grupos, formando belas constelações. Inúmeras delas possuidoras de muito brilho, atraindo olhares, mas, tantas outras, pequeninas e distantes, em geral com pouca cintilação.
Convicta, porém, de que as minhas asas eram merecidas e tinham a finalidade real de me tornar uma estrela, imaginei-me mais brilhante que as outras, mais atraente, mais visível, independente da lua, do sol e de tudo que tivesse, ainda que mínima, a intenção, dolosa ou culposa, de ofuscar o meu brilho ante os teus olhos.
Ah! Não penses que me envaideci de forma a me julgar a mais linda, a melhor, a mais capacitada, a tal!
Senti, sim, uma vaidade imensa que enchia o meu peito e me permitia me sentir privilegiada por ter sido escolhida por ti, dentre tantas! Essa vaidade me causava um imenso orgulho, sem dúvida alguma, porque me fazia imaginar que me tinhas incentivado a me instalar naquele cantinho do firmamento para que eu me tornasse inacessível a outros e, simultaneamente, estivesse sempre ao alcance dos teus olhos, a cada momento que de mim sentisses saudade ou que a mim quisesses contemplar. E, ante essa certeza, eu brilhava diuturnamente, somente para ti.
Na minha ousada imaginação, acreditava que não medirias esforços para também voar ao meu encontro, para me abraçar, me beijar, me tocar, me amar, unindo de forma indefectível, sublime, divina, os nossos corpos, já que nossas almas, eu cria, sempre estiveram unidas, por toda a eternidade.
Não saberia contar quantas vezes o meu brilho reduziu, quase se apagando, como se os meus olhos se fechassem para não ver o vazio que encontravam ao te procurar na imensidão do universo.
Também não teria condições de enumerar as vezes que me transformei em nuvem, descarregando minhas lágrimas, feito chuva, vertidas em razão da imensa saudade ou da estranha sensação de que os teus olhos já não me procuravam ou tinham se encantado por outras estrelas, esquecendo-me.
Entretanto, torna-se, da mesma forma, impossível relatar quantos foram os momentos vividos na mais profunda felicidade, vendo-te a cada piscar dos olhos, sentindo e correspondendo ao teu doce e ardente beijo, sentindo o teu calor, o ardor do teu corpo, a proteção do teu abraço me envolvendo com tanto afeto, transmitindo o mais puro amor sem abandonar a demonstração do homem romântico e apaixonado.
Inexistia, acredite, sequer uma estrela, nesta galáxia, mais apaixonada do que eu! Que mais amasse, verdadeiramente, o seu escolhido!
E, nesses momentos, eu cintilava mais do que o próprio sol! E, mais do que ele, o meu calor era capaz de derreter cada planeta do universo! E não existiria vácuo se isso acontecesse, porque a minha Luz transcendia!
Descobri, então, que uma estrela, quando ama com tamanha energia, é capaz de remover montanhas, transformar rios em mares, secar oceanos ou fazê-los transbordar, determinar a fase da lua ou pegá-la nas mãos e colocá-la em lugar diverso, parar o vento, germinar sementes secas ou transformar em verdes e floridas as árvores e plantas mortas, devolver aos galhos as folhas secas espalhadas pelo chão.
Mas descobri, também, o quanto o coração dói quando se sente inseguro, imaginando amar sem correspondência, supondo-se traído ou esquecido ou indiferente ao coração do portador das suas chaves ou, pior que isso, rejeitado por este.
Descobri mais e melhor! Tive a certeza de que o amor não fenece, de que ele atravessa anos, séculos, vidas e continua sempre existindo, em proporção e intensidade constantes. E que, por mais que doa, ele nos dá paz interior, faz com que a gente se sinta feliz pelo simples fato de amar, independentemente de existir correspondência ou retribuição. Porque percebi que o amor não pede em troca, não pede retribuição, não necessita de remuneração afetiva para permanecer vivo dentro de nós. Tampouco vive de recordações, de lembranças, porque nem sempre estas são boas e muitas vezes os bons momentos são superados em quantidade ou intensidade pelos maus.
Constatei que ele existiu e sempre existirá, com o mesmo calor, simplesmente porque ele é sentimento, está dentro da gente, protegido e amparado pela nossa alma e será sempre doado quando o detentor, e não o portador, porque este já conhece, descobrir a sua magnitude e sentir que o deseja, da forma como ele é.
Por todas essas razões, pude constatar, também, que uma vez estrela, sempre estrela!
E que não importa se permanecerei naquele cantinho do céu que escolhi para me fixar, por atribuir a esse lugar do espaço a possibilidade da tua melhor visão quando ergueres teus olhos ou te elevares disposto a me encontrar. Nem importa se estarei sempre no espaço ou se darei descanso às minhas asas, algumas vezes, vindo pousar aqui, mais pertinho de ti. Ou, ainda, se as tempestades, as noites escuras, o dia iluminado, a mudança de estações, os vendavais, unidos ou isoladamente, se propuserem a esconder o meu brilho, a minha Luz.
O que vale, verdadeiramente, é que o teu coração sempre saberá indicar aos teus olhos o local certo onde estarei à sua espera, reluzindo eternamente e sempre mais, porque o que resplandece não sou eu, mas, sim, os valores e o amor que existem dentro de mim.