Teodoro era o filho mais velho de quatro irmãos__ na verdade os quatro que conseguiram “vingar”. Aos dezoito anos, mal sabia ler e escrever. Freqüentava o curso noturno, mas seu aproveitamento era quase nulo. Desde cedo ajudou o pai na lida, na capina, roçado, plantio, colheita, ensacamento. Era uma rotina. Suas únicas perspectivas eram que o pai lhe desse uma parte maior dos lucros. Olhava sonhador para o passado remoto de sua família, antes dele nascer, quando o pai era dono da própria terra, era o patrão. Mas, o vício pelo baralho o fez perder tudo, e agora era um simples colono, obediente e levara os filhos a seguir o mesmo caminho.
De uma forma geral, Teodoro não se queixava, apesar de tudo, não passava fome. Tinha suas coisinhas. Era meio ingênuo, passivo, conformado. E não fazia diferença naquela vila rural que pertencia a um pequeno e quase insignificante município do Maranhão.
Como ocorre com todas as cidades pequenas, pequenas demais, um dia o progresso chegou à Lagoa do Arroz. A luz elétrica veio no ano de 1994. Em 1996, o monopólio das linhas telefônicas foi quebrado e qualquer um que pudesse pagar, podia ter sua linha. Mas, a grande revolução ocorreu três anos depois. Concessionárias de motos chegaram vendendo suas “máquinas” com prestações de R$50,00 ao mês__ prestações à perder de vista. A maioria dos compradores terminava de pagar anos depois de já terem perdido suas aquisições em acidentes. Na cidade as leis de trânsito não haviam ainda chegado, sem faixas, nem semáforos, sem obrigação do uso do capacete, sem multas. O fato é que suas ruas encheram, não se via carro de boi, nem bicicletas, só alguns automóveis e centenas de motos.
Havia aqueles que mesmo com as facilidades, não conseguiam adquirir a motocicleta, era o caso de Teodoro. Ele só possuía uma bicicleta velha, sem freios e toda vez que tinha que pára no meio da estrada para encher o pneu vazio com o ar dos pulmões, se revoltava com o pai, por ter sido tão irresponsável, com a vida que lhe impôs, por obrigá-lo a trabalhar na roça, por ele, Teodoro, aos dezoito anos parecer já um homem de quase trinta, por viver curtindo embaixo do sol feito carne seca. Envelhecendo, perdendo a infância, a adolescência, a capacidade de sonhar.
Mas, passada raiva, Teodoro voltava a se resignar. Pedia perdão à Deus por ter desonrado o pai. Não podia revoltar-se, seu velho era doente, quase aleijado da coluna, tinha cálculos nos rins. Seria um pecado mortal abandoná-lo e tentar ávida em outro lugar. E assim, sua vida seguia, sem grandes mudanças.
Ele também tinha suas alegrias. Era um rapaz bonito, vigoroso, pele bronzeado, muito higiênico e suas características atraíam as moças, ele jamais ficava sozinho. Apesar de ser namorador, Teodoro era sensível, apaixonava-se intensamente cada uma das suas namoradas; o caso é que durava pouco, nenhuma conseguia capturar seu amor por muito tempo. Nenhuma era diferente.
Nenhuma até chegar ela. A prima que viera da capital, pertencia à facção “mais-ou-menos” da família de Teodoro. Seu tio, vendera suas terras e fora à capital, montou uma grande mercearia, vendendo alguns centavos mais barato que a concorrência e conquistara a freguesia, em poucos anos já possuía uma rede de supermercados, tinha tino pros negócios; queria ajudar o irmão pobre, mas o pai de Teodoro não queria, era orgulhoso, não aceitava esmola de ninguém.
Era a primeira vez que Márcia visitava suas origens, viera conhecer a cidade que classificava como pitoresca, Teodoro achava que entedia o termo, com certeza Lagoa era bem diferente da capital. Ela tinha a mesma idade do primo, e acabara de passar no vestibular, pedira a viagem como recompensa e o pai cedera.
Naquela manhã de agosto, Teodoro chegou cansado, era tempo de debulhar e ensacar o feijão e o milho, trazia das roças as sacas e distribuía-se pelos armazéns da cidade, ele carregava nas costas as sacas do caminhão aos armazéns, só queria tomar um banho, almoçar e jogar-se na rede pra descansar. Chegou em casa suado e coberto de resíduos de vegetais, foi à cozinha pedir benção ao pai, encontrou uma mocinha de pele clara e cabelos castanhos, lisos, longos, seu rosto oval e feições bem desenhadas a tornavam parecida com uma bonequinha, ela era pequena, magra, mãos delicadas seguravam uma xícara de café. Teodoro não conhecia, mas soube no seu intimo que aquela moça não era da cidade.
__ Mãe, quem é essa garota?
A mãe olhou-o reprovadora, ele fora rude não cumprimentando a visita.
__ É tua prima da capital, fia do tio Flávio, Márcia.
Teodoro sentiu-se quente na face,moça da cidade, rica, estudada, ela com certeza devia está achando tudo muito ruim, e ele ainda aparecia sujo daquele jeito!
Chegou perto da mãe e cochichou no seu ouvido.
__ O almoço ta pronto?
Ela acendeu com aceno. Sem cumprimentar a prima Teodoro foi para os fundos assear-se.
__ Liga não Márcia, esse bicho de tanto viver naquele mato ta virando um animal com os outros, é o jeito dele mesmo.
A prima sorriu e voltou a tomar o café.
Quando Teodoro voltou, pronto pra entabular conversa com Márcia ela já não estava lá.
__ Cadê a prima?
Ela foi visitar o resto da família só voltava à noite. A noite Teodoro já estaria na fazenda de novo.
Só voltaram a se ver dois dias depois. Teodoro falava pouco porque tinha vergonha de falar coisa errada e ela sorrir dele. Márcia sabia conversar sobre tudo, direito, manso apesar de parecer uma meninazinha de bochechas rosadas, ele percebia certa sensualidade no olhar, no sorrir, nos trejeitos, quando voltava à fazenda ia sonhador, pensava em acochar aquele corpinho num abraço. Mas era sonho, Márcia era de outro mundo e logo estaria de volta.
Certa noite Teodoro ia dormir em casa, saiu pra passear e voltou tarde, quando entrou viu encolhida no sofá a prima, ela dormia em frente à televisão ligada.
Ele aproximou-se e a chamou.
__ Oh, você demorou.__ Ela falou sonolenta__ a tia disse que não havia problema em deixar a porta destrancada, mas eu achei melhor esperá-lo.
Teodoro queria sorrir, não sabia por que, só sabia que era a primeira vez que ficava sozinho com ela sem ninguém por perto. Impulsivamente ele a tomou nos braços e a beijou.
Depois daquela noite Teodoro e Márcia não se largaram mais, eram passeios, beijos e conversa, Teodoro ficava ouvindo sonhador o que Márcia dizia, ela tinha tantas historias legal da cidade, às vezes acontecia algo e ela lembrava de um livro que lera, e eram tantos. Ele ouvia sua conversa como se ouvisse uma música. Márcia jamais o humilhara, jamais o censurava. Pelo contrario, dava-lhes bons conselhos, levantava seu moral, ele jamais esqueceria da vez que comentara que era burro demais, “Nunca mais repita isso! Você só não teve oportunidade, mas terá... só tenha paciência e determinação.” Ela era diferente em tudo e Teodoro a amava a cada dia, sabia que não era pra ela, mas ainda assim, ela o queria.
Quando ela avisou que tinha de voltar. Teodoro como se uma flecha transpassasse seu peito. Faltou-lhe o ar , sabia que aquele dia chegaria, mas já? Tão cedo? Tomado de uma resolução, ele chamou Márcia para uma última conversa.
__ Márcia, como eu queria servir pra tu. Queria ter istudo, dinhero, mas só tenho meu bem querer. Volta Márcia, vou istudá e ter mais atitude, quando tua faculdade acabá, a gente casa. Casa comigo Márcia?
Márcia ficou em silêncio. Havia lágrimas em seus olhos. Abraçou-o e deu-lhe um beijo.
__ Estuda, ta? Volto nas próximas férias, não seremos felizes, você terá tua cota de felicidade, atitude querido! Ele ficou feliz, entendeu como um sim.
Na madrugada, Teodoro a acompanhou à rodoviária. Márcia estava muito triste.
Foi a última vez que a viu. Não voltou nas férias, nem ligou, nem escreveu. E Teodoro foi percebendo aos poucos que ela não voltaria. Que ela sabia que sua promessa de estudar não seria cumprida. Não que ele fosse parado, mas era o próprio destino que o impedia. Mais tarde teve que largar o curso noturno porque as chuvas destruíram as plantações e agora o trabalho triplicou. Eram as roças, as preocupações, tudo na sua cabeça, estudar como? A prima não casaria com matuto, e ele resignou-se. Não podia condená-la, sabia que não podia fazê-la feliz com o tipo de vida que poderia lhe oferecer. Mas, nunca pôde deixar de sonhar, com uma manhã longínqua, em que chegaria em casa e encontraria um sorriso cristalino esperando por ele. Sonharia, só lhe restava isso. Estava confinado no poço fundo das impossibilidades e só lhe restava a ilusão que só os sonhos podem proporcionar.
Era Teodoro, mais um moço do interior de Lagoa do Arroz, cabeça cheia de sonhos, mãos vazias pela vida dura do lavrador maranhense.
Apenas uma pessoa que usa a literatura e o cinema para fugir desse mundo cão. Escrever é apenas um ato e exercício de liberdade!
Desculpem! este texto é o início do "A solidão do moreno"!