Meu espírito é algo assim
sem forma, sem matéria
As vezes toma corpo
mas logo desmancha-se
como escultura de poeira seca
Quando isso acontece
a carne chora
e junta novamente
os fragmentos que dele restaram
E ele se reconstitui
Porém sem identidade
As vezes é Ema Bovary
tola e caprichosa
Outras vezes é Lucíola
Cortesã abrindo mão de tudo
por um sentimento puro...
Pode ser a fiel ou mesmo
atrevida cativa
acorrentada a seu senhor
Ou a santa imaculada
tomando para si as dores do mundo
As vezes é a Fada Azul do Pinochio
e outras
Morgana,
malvada e traiçoeira irmã de Artur
Pode ser Lucifer tentando Cristo
E a virgem seguindo-o devotamente
Existem vezes que é Iracema
Selvagen e inocente de malícias
Mas, também é Aurélia ferida
tramando planos de vingança
As vezes chega a ter sangue
mas, de repente
percebe água correndo nas veias
Como o boneco de lata
procura um coração
mas, lágrimas sobem à face
ao sentir esse órgão
pesado e oprimido
no cárcere do peito
Puro e ao memos tempo enlameado
Tão augusto e também malvado!
Afinal, quem é?!
Lindo e perfeito
qual a Esmeralda?
ou feio e disforme como Quasímodo?
As vezes pensa ser vela acesa
mas logo torna-se o vento
que apaga-lhe a chama
Há horas que é leve viração
Para torna-se uma trágica e fatal
tempestade além mar
É a brisa da manhã
e o tufão
que destrói toda uma cidade
É o perdão e a vingança
O "querer" e o "não posso"
Não sei...
É um turbilhão
Um enigma
Mas...
Eu sou mil faces em uma só
Mil mentes concatenadas
Quem sabe
um dia eu descubra
que sou um feitor
que com correntes, fogo e chicote
prende e castiga meus sonhos
Mas, eles acabam fugindo
E na tentativa de esconderem-se
da mão bandida
Com temor de tornarem-se quimeras
tomam várias formas...
...Talvez eu seja isso
Um sonho cativo
que leva a vida a fugir
da sua verdadeira imagem
Apenas uma pessoa que usa a literatura e o cinema para fugir desse mundo cão. Escrever é apenas um ato e exercício de liberdade!