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A solidão do moreno

 
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A Solidão do Moreno

Cedo ou tarde, todos vivem uma história de amor, quem disse isso foi Flaubert. Devo concordar. A ficção se consiste em dar final feliz a uma história que já começou errada.

No vale de uma serra, um sítio esquecido por todos, abandonado pelo mundo desenvolvia-se, sendo bem cuidado pelo dono, com horta, pomar, um açudizinho, criação de galinha, porco e uma vaquinha para dar leite. Teobaldo desgostara-se da vida.

Ao dar-se conta de que seu amor o abandonou, que o tempo passado sem uma palavra da parte dela só significava que Márcia não voltaria, que ele, Teobaldo, era página virada, ou destacada da vida dela.

Moço bonito, visado pelas conterrâneas para marido,não contente com a mesmice das moças, recolheu-se à solidão do sítio. Lá, apenas sobreviva. Cuidava sozinho da lavoura de arroz, milho e feijão; cuidava dos animais e da horta com muito esmero, como um pai zeloso cuida da família. Família, estava certo, não teria. Trazia o coração ferido, desiludido. Sempre apaixonado pela prima distante.

Um dos poucos sonhos que tivera, realizara a pouco, vendendo frutas e legumes na feira, sem outros gastos, economizou o suficiente para comprar um violão.

Quando a noite se anunciava, tingindo o céu com nos variados, Teobaldo arrumava lenha no terreiro,trazia o tamborete onde sentava e dedilhava notas confusas. Tocava com instinto, cantava com o coração, melodias tristes como que jorradas da alma do infeliz lavrador. Sem esperança de amar novamente, mas intimamente pedindo à Deus que levasse seu canto aos ouvidos dela, que funcionasse como um sexto sentido, ela, sem saber por que, a lembrança de Teobaldo, bandida, aparecendo na cabeça, uma dorzinha no peito e a vontade de voltar, de ao menos, após um abraço confortante, olhá-lo nos olhos e dizer “adeus, que tenho que partir, tu não és para mim Teobaldo.” Gostava de ouvir aquele português certinho na voz suave dela.

Era impossível Teobaldo lembrar-se, sonhar sem derramar algumas lágrimas, principalmente quando o vento forte amansava e tocava seu rosto como um beijo carinhoso. Resignado, o moreno recolhia-se à casa, estirava a rede e adormecia num balançar cadencioso.

Ainda não eram seis da manhã, porque o céu ainda estava no cinza da madrugada. Teobaldo abre abruptamente os olhos. Alguém bate palmas insistentemente lá fora. Mas, será possível? O caminho até ali é tortuoso, carro passa há um quilômetro e com dia claro, perto do meio dia. Àquela hora? Com certeza é má notícia, podia apostar que era caso de morte. Levanta-se preocupado, tira a tramela da porta. Ele é que quase morre, tamanho é o susto, ou então já estava morto e agora estava a caminho do grande túnel. Diziam que, quando se morre, a vida virava ao avesso e a alma vai voltando para trás até chegar no início de tudo.
__ Não podia esperar mais uma hora, desde que cheguei ontem, na boquinha da noite. Só um desejo me consumia, só uma vontade me movia. Ver-te, sentir teu abraço, ajoelhar-me aos teus pés e pedir perdão pela mina arrogância. Pensei que minha felicidade estava nos estudos, em bom emprego,no reconhecimento público, mas, só fui infeliz, paguei caro e aqui estou, humildemente te pedindo, aceita meu arrependimento, diga que ainda me ama!

Teobaldo, rígido ouve cada palavra como se ouvisse o canto dos anjos. Era ela! Parece então que sua esperança era certa, ela foi tocada e voltou! Com a ponta do indicador, Teobaldo enxuga as lágrimas dos olhos dela.
__ Oh, me abrace! Morro se você não me abraçar Teobaldo!
Obediente sempre, teobaldo e toma nos braços e a aperta. Sem largá-la jamais, ele a faz entrar. Apresenta-lhe a casinha humilde, erguida com suas próprias mãos.
__ Então Márcia, é capaz de viver nessa pobreza?
Comovida com a insegurança dele, ela o abraça pela cintura, a cabeça encostada no peito forte do amado e responde:
__ Sim, porque já tenho o meu tesouro. Para mim, tudo está perfeito. __ larga-o, olha em volta e atalha.__ mas, algumas mudanças serão bem-vindas!

A alegria voltou a reinar em Teobaldo. A alma ferida começa a sarar. Márcia quer compartilhar do seu mundo. Aprende sobre a horta, a criação, a tirar leite, exige que Teobaldo faça cadeiras com cipó e varas e bambu. Decora com almofadas que trouxe da cidade, põe cortinas na janela, espalha lampiões pela casa. Agora só há luz, nada mais de escuridão, faz de tudo, só não mata galinha e porco porque tem dó, sente vertigem em sangrar um ser vivo. Teobaldo, de surpresa faz uma estante, e Márcia manda trazer seus livros, nas horas vagas do dia lê para teobaldo porque á noite estraga a vista. Mas principalmente, porque á noite gosta de ouvir Teobaldo cantando para ela. Quando o repertório chega ao fim, os dois entram, dormem, um no aconchego do outro. Satisfeito, teobaldo agradece à Deus, não podia desejar outra vida.

O sol bate no rosto de Teobaldo. Pelo toque já vão oito horas da manhã. Por que Márcia não o chamou? Tinha que brocar a terra, logo viriam as chuvas e tinha que está com tudo semeado. Coloca o pé no chão. Cadê o tapetinho que Márcia deixava ali? Olha para o quarto e sente falta de outras coisas. Onde estão as cortinas, os vidros de perfume em cima da penteadeira? “Márcia?”. Caminha pela casa, só a solidão, o vazio. Foi sonho, sonho! Só podia ser. Márcia jamais deixaria a cidade por aquele fim de mundo. Ouve palmas. Alguém o chama. Vai desalentado, vontade de não ter acordado. De viver naquele sonho bom para sempre. Vira a tramela da porta, sabe que tem os olhos marejados. E, eis que lá está, abraçando-se, desolada e triste. É Márcia e assim que o vê abre a boca para falar. Teobaldo se adianta.
__ Entra Márcia, vive comigo esse sonho!
Ela enxuga as lágrimas, joga-se no seu abraço. Teobaldo a puxa para dentro e o idílio recomeça.




Apenas uma pessoa que usa a literatura e o cinema para fugir desse mundo cão. Escrever é apenas um ato e exercício de liberdade!

este conto foi baseado emuma história real.
 
Autor
Helayne
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