Sou a cinza no cinzeiro
da tua mesa castanha,
a pintura meio apagada
que na tua face te acompanha.
Vestido vermelho
que vestes esta noite para mim,
fico aqui sentado até ser velho,
vendo-te dançar para mim.
Em dias de tristeza
que o céu tende em cair,
fico a ver uma beleza
a menina da rua, apenas a sorrir.
Não queres saber de mim
porque a rua tende em ficar escura,
não me vês sentado assim,
em calçada suja e dura.
Agora estou aqui
e perdi toda a graça,
querendo um dia ficar ao pé de ti,
a vontade tornou-se escassa.
A culpabilidade de toda a minha cegueira
que fica assim vendo-te passar,
parada, inequívoca, tende em esconder-se,
quando à porta vais entrar.
Bebendo do meu copo
entras e ficas sentada,
num assobio claro,
não dizes nada.
Fico então assim
vendo-te contemplar,
a janela que nos diz enfim,
a paisagem que nos faz calar.