AMAR EM SILÊNCIO
(Ivone Carvalho)
O que é um temporal na madrugada, após a lua cheia ter permanecido tantas horas iluminando a noite, inspirando os corações românticos e apaixonados, embelezando o cenário do céu primaveril?
No primeiro momento pareceu-me chuva de verão. Mas, depois, senti a sua agressividade, sua intensidade, seu desprezo pelo medo que nasceu em mim. A triste sensação de que ficaria ilhada, sem ser ouvida, sem poder falar, de nada adiantando os meus pedidos de socorro, de proteção, de calor, foi aumentando gradativamente, até que eu me desse conta da realidade que tomava vulto ante os meus olhos e nos meus ouvidos.
Deixei a chuva cair, sentindo na pele a dor da sua força, que dilacerava até o meu coração. Mesmo porque nada que eu fizesse seria capaz de detê-la! Tentei. Ah, eu tentei sim! Mas consciente de que seria em vão.
Encolhi-me, reduzindo-me à minha pequenez do momento, já que eu não possuía a cumplicidade dos trovões e dos raios que a ela pertenciam.
Tentei me ausentar espiritualmente, elevando os meus pensamentos à lua que, momentos antes, deslumbrantemente, materializava a existência de duas almas que juravam amor eterno, que se completavam, que se entregavam ardentemente, certas de que se pertenciam.
Essa ausência material me fazia bem. Como numa tela cinematográfica eu assistia e revivia fatos e sensações indescritíveis, porque todos os momentos vividos com pleno amor são impossíveis de serem descritos.
A minha certeza de que eu não sonhara, de que tudo que ali passava, como num filme, havia sido real, me ajudava a recobrar as forças para lutar contra o tormento da tempestade que chicoteava meu corpo, demonstrando uma incrível ânsia de destruir-me, interna e externamente.
Correr, simplesmente, seria demonstração de covardia, de fuga da realidade, de renúncia a tudo que eu mais queria, mas que escapava entre os meus dedos, sem me permitir fechar as mãos.
A chuva é como o mar. Atrai como verdadeiro ímã. Sua música acalanta, penetra os ouvidos de tal forma que, no silêncio, ainda que muito distantes, ao fecharmos os olhos continuamos ouvindo o som que tocou nossa alma mais do que aos nossos ouvidos.
Tanto um quanto outro, quero sentir na pele, quero me introduzir no seu espaço, quero contemplar sua autoridade, sua grandeza, sua imensidão.
Tanto a chuva como o mar, me levam a agradecer a Deus pela perfeição da natureza, por tudo que está ao meu alcance e que, por serem imensos, imprevisíveis nas suas ações, me dão a dimensão da amplitude de tudo que jamais o homem poderá modificar, por mais que utilize a totalidade de sua inteligência, a ânsia que possui de se superar, de se sentir um deus.
As águas que caem do céu podem chegar mornas, através de gotas suaves, que podemos quase compará-las ao orvalho que, como as plantas, nossos corpos necessitam.
As águas do mar podem estar serenas, calmas, convidativas, servindo de verdadeiro leito macio ao nosso corpo, que ao se deleitar envolvido por elas, permite que nossos pensamentos viajem e que possamos divagar como se realmente estivéssemos em outro plano.
Mas, elas podem se revoltar, podem manifestar seu descontentamento com qualquer fenômeno outro, natural ou não, que as transformam em verdadeiros algozes, dispostas a destruírem o que, na sua calmaria, não acreditamos capazes de fazê-lo.
E a garoa, a calma chuva, pode se transformar num temporal avassalador, causando perdas insubstituíveis, inesquecíveis, incomparáveis, deixando um vazio negro, sem antecedentes, sem conserto, sem cura.
E foi assim que, encolhida de forma quase fetal, sentindo as dores da tempestade que açoitava o meu corpo, sentindo-me perdedora por não possuir mais qualquer força para lutar contra o fenômeno que me atingiu de maneira desleal, surpreendendo-me desde o primeiro instante, que decidi perecer, abraçando-me tão somente aos meus sonhos, revigorados pela lembrança advinda daquela lua cheia que, em momento anterior, me deu a certeza de que em algum momento eu fui amada tanto quanto amei...