“...Um vidro que se espatifa ao menor sopro do vento...
Ouviu? É o vento. Ele é frio e está violento. Estou aqui, entre quatro paredes, mas parece-me o contrário. Eu sinto esse vento frio e devastador. Ele me ensurdece, me congela. É terrível é um vento que me persegue. Noite e dia, e a chuva parece zombar de mim. Parece que quer provar que pode ser mais longa minha dor.
É a saudade.
As estrelas que outrora brilhavam, elas sumiram. Está escuro. Não enxergo nada. Se houver abismos no meio do caminho eu caio.
É tua ausência.
Para onde foram todas as coisas belas? Partiram contigo. O meu bem-te-vi já não canta mais. Ele sente que não estou feliz. As trevas da noite. A monotonia dos dias. Dia e noite tão iguais. Tão vazios. Tão formais...
No peito o coração bate, prisioneiro de si mesmo. Ele tem as chaves, um abrigo à espera, um lugar aconchegante, e até alguém que lhe diga palavras para sarar-lhe. Ele não quer.
Está à mercê de um carcereiro invisível e sem forma que sobrevive apenas na mente.
Pobre coração!
É preciso seu abrigo sofrer. Incendiar. É preciso que saia de trás das grades.
Liberte-o!
Liberte-o!
Vem sol, calor! Quero calor! Demora tanto! Hei de esperá-lo. “É cedo, o amanhã, agora que está chegando, mas estou cansada, sinto sono, acho que...”
__ Oi Cachinhos Dourados, não quis roubar meu mingau?
__ Argh!
__ Cachinhos Dourados que pensa fazer? O que é esse pacote?
__ Tingimento de cabelos, só assim você pára com essa história.
__Não!!
__ Por quê?
__ Gosto de vê-los assim. Principalmente quando você acorda e vai ver o sol da janela. Do quintal eu fico te olhando e parece que se funde a ele, o astro rei. Às vezes acho que ele vai tirá-la de mim. Mas você não teria coragem de me abandonar.
__ Convencido!
__ Verdade! É por isso que gostaria de ser esse sol. Queria confundir-me com seus cabelos. É uma pena você ser tão preguiçosa...
__ O quê?
__ É verdade. O sol já está quase pra nascer, vá à janela. Vá, levante-se, vamos, ele já vai nascer. Ei, abra os olhos, acorde!
A mulher pulou do sofá. Já era tarde. A chuva afinara. O céu limpava. Havia tempo. A dor tornara-se imago. Correu à porta. Ele a chamava. O crepúsculo. Seus cabelos, o sol, ele queria vê-la assim.
O túmulo já não era tão frio. O vidro fora restaurado. Os olhos. O mar, sorria. Ainda podia ver sua imagem refletida naquelas águas.
“Você quis ser o vento e quis ser o sol. Mas foi como chuva de verão, veio com promessas de tempestade, mas mal molhou o chão, foi embora.Vê? Ele voltou, o sol. É esta a tua última vontade? Vou subir ali. Posso tornar-me luz só pra ti. E você será o sol? Ficaremos juntos?O sol, você, o vento, a chuva... Todos me chamam!Acho que irei contigo. Mergulharei no teu verde mar. Lá sim, o vento me balançará, o sol nascerá de mim, a chuva se unirá á mim, a terra não me tragará e eu, eu estarei lá, dentro de ti.
O sol já vai, sua volta foi breve. O que devo fazer? As rosas? Eu as trouxe! Olha, coloquei uma nos cabelos. Toma, estas são suas.
O sol voltará amanhã. Você ficará esquentado. Olho pro sol, eu estarei lá e também saberei que estará comigo.”
Apenas uma pessoa que usa a literatura e o cinema para fugir desse mundo cão. Escrever é apenas um ato e exercício de liberdade!