O nomadismo das minhas palavras contrasta com o jeito sedentário com que me sento à frente das letras para as construir.
Seria fácil seguir a partir daqui, para um texto elaborado e de construção rápida. A inspiração não me falharia e iria sair tudo como sempre... à primeira e, com alguns retoques, estaria pronto para ser posto à vista de todos. O texto rezaria de sentimentos verdadeiros e processos genuínos, de reflexões e conclusões, de um sem número de situações que se geram quando se escreve de catadupa no improviso da acção. Voltaria, depois de me perder do que me tinha levado a começar, ao nomadismo das minhas palavras que contrasta com o jeito sedentário com que me sento à frente das letras para as construir.
Decidi agora continuar o texto:
Viajo, agora, entre o meio louco e o meio são, pago aos dois e ainda recebo troco. Rimo três palavras e penso que sou poeta, que escondo mensagens atrás de muros de escrita... alguns deles já meio derrubados.
Poeta? Pois claro que sim. Na realidade, a palavra define-me. Disso não me restam dúvidas. Tive, em certa altura, um professor que me disse que cultura é tudo, que até a forma como se mija é cultura. Fiquei a olhar para ele como quem diz: “mas que raio, se cultura é tudo, então porque é que me dizem que há incultos?”. Mais tarde desenvolvi a minha própria teoria. Cheguei à brilhante conclusão que os incultos só poderiam ser aqueles que não produzem cultura... os mortos.
Digo hoje que poetas são todos, que fazer poesia é mais do que escrevê-la, é sê-la, lê-la, é pegar nas frases e nas palavras e desconstruí-las, é pegar nas letras usadas de um anúncio de detergentes e construir outras palavras. Poesia é ser. No fundo, poesia é cultura e , assim, é tudo. É tão tudo que nunca é banal. Contra-senso? Não. É, sim, a mais profunda das verdades. Nada faz mais sentido que isto.
E lá volto ao nomadismo das minhas palavras que contrasta com o jeito sedentário com que me sento à frente das letras para as construir. As palavras são nómadas, saltam de frase em frase, de texto em texto sem nunca assentar num sentido por muito tempo... não conseguem. Mas se elas são selvagens e não se seguram em lado nenhum, já eu, nem sequer me mexo! Estou aqui, bem aqui, noite após noite a construi-las com letras, como se fosse deus (e quem diz que não sou?) ou um qualquer cientista que as modifica geneticamente. Mexo-lhes no ADN. Reorganizo-lho e invento mutantes, faço clones ou, pura e simplesmente, faço de parteiro para jovens outras palavras paridas com sentidos diferentes. Algumas doem-me e são difíceis, outras há, que são tão lindas que me fazem vaidoso. São todas minhas filhas.
Em suma, faço poesia. Faço cultura. Fazemos todos. O mundo faz. Poesia é viver.
Valdevinoxis
A boa convivência não é uma questão de tolerância.