Prosas Poéticas : 

memórias de um amnésico VIII

 
Tags:  diário    esquizofrénico  
 


Aglutinemos nossas almas, talvez possamos dar um pouco de alegria à nossa infindável tristeza.

tenho medo de descobrir o que está para alem dos puxadores. o que está dentro das gavetas.sei muito bem o que posso encontrar.sei porque eu nasci lá. nesse espaço escuro foi onde cresci e me fiz homem.nesse lugar escuro.a minha infância e as primeiras nuvens negras.a chave é o desconhecido desde criança.as nuvens negras de agora foi lá que apareceram a primeira vez.e foi-me perdoado como atenuante com o passar dos anos.memórias.o meu primeiro desgosto foi um momento espontâneo.o coração é preso na fornalha. ainda está quente dos dias.a vida deste coração não tem remédio nem obedece a consultas médicas.pela primeira vez a desgraça.ter medo.e de estar só.as gavetas e a chave.portas imaginárias porque não tenho portas no quarto. e os meus olhos.lágrimas.tantas alegrias aperfeiçoadas com o passar dos anos.sinceridade.seriedade num sorriso de palhaço gago.a respiração amacia as dores.meu coração sai da fornalha.é o seu primeiro beijo.e é arrefecido pelo gelo dos lábios ciumentos.suspiros.como que acorda a corda. acorda.e vai-me passando as inúmeras bebedeiras.falho ao encontro de estar só.como falho ao encontro de não me ter.desejo a anestesia de um agora para que me penetre o corpo triste. corpo que do arquitecto se projectou.a casa.divagações e noite.a casa mimada.um cheiro a morto.a genialidade desta casa é uma orgia de corpos ao cérebro debilitado.a intenção é tocar um foco de luz.cego.faz com que a chave saia de dentro da gaveta.viagem.os puxadores sao cortesoes e ficam enaltecidos com a minha gratidão.tudo está trancado ao não coração.partes do coração aguardam no espaço escuro.na gaveta.quantas vezes solicitei aos cortesoes que o coração merecia ser reparado.consertado.os pedaços e a carne.tantas feridas e tantas cicatrizes "este velho doente"."voltarei a ve-lo neste mundo?".torturo-me por não saber da chave que abre a gaveta. o lado de fora.vida.meu coração é um mistério cordial.a recusa de medicamentos.as palavras.para quando as exigências do suicida.este vento.este esperar causa ansiedade.a minha ansiedade é um corpo de gelo aberto pronto para a sepultura. esta ansiedade fria.resta-me como contentamento de ter experiência no campo medicinal. outras experiências eloquentes trabalhadas nas horas que passei com a esferográfica.a raça.a razão.o esquizofrénico pede para alugar esta casa.o quarto.a gaveta.os puxadores.os dedos.um outro eu imaginário.adormeço.quem me explica esta realidade.esta nova realidade de ver as coisas.sei que existe uma resposta utópica pelo que já escrevi.os amigos.e quem me diz se devo ignora-lo.o esquizofrénico.o outro eu.deste tormento a dor é um beneficio de satisfação pelo sentimento agoniante que cuidadosamente parte com o tempo. no espaço.interminável esta casa dos ossos. cinza.

 
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Caopoeta
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Enviado por Tópico
GE3
Publicado: 15/07/2009 18:45  Atualizado: 15/07/2009 18:45
Da casa!
Usuário desde: 22/09/2008
Localidade: Moçambique
Mensagens: 350
 Re: memórias de um amnésico VIII
Caopoeta,
bom trabalho. estas memórias vão longe.
abraço


Enviado por Tópico
Branca
Publicado: 15/07/2009 19:28  Atualizado: 15/07/2009 19:28
Colaborador
Usuário desde: 05/05/2009
Localidade: Brasil
Mensagens: 3024
 Re: memórias de um amnésico VIII
"...desejo a anestesia de um agora para que me penetre o corpo triste..."

Tens facilidade pra escrever, e o faz com riquesa de detalhes. Mas me transmitistes um grande penar.

Beijos poeta.


Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 16/07/2009 16:21  Atualizado: 16/07/2009 16:21
 Re: memórias de um amnésico VIII
Para tudo é necessário tempo. tempo de crescer, tempo de aprender. No meu caso foi o de aprender. fui lendo tudo o que escreves e vi-te crescer. Fui vendo como dia a dia crescias literáriamente num estilo próprio, muito caracteristico. Estou completamente maravilhada com este texto que considero do melhor que já escreveste.
Parabéns!
E desculpa lá mas o beijo se o aceitares terá de ser azul.
Desejos de progressos.



Enviado por Tópico
Caopoeta
Publicado: 16/07/2009 20:19  Atualizado: 16/07/2009 20:19
Colaborador
Usuário desde: 12/07/2007
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 Re: memórias de um amnésico VIII
...para melhor me entenderem ...

O real

Aqui, o "real" resulta ser um termo bastante enigmático, e não deve ser equiparado com a realidade, uma vez que a nossa realidade está construída simbolicamente; o real, pelo contrário, é um núcleo duro, algo traumático que não pode ser simbolizado (isto é, expressado com palavras). O real não tem existência positiva; só existe como abstracto.

Nem tudo em realidade pode ser desmascarado como una ficção; basta ter presente certos aspectos - pontos indeterminados - que têm que ver com o antagonismo social, a vida, a morte, e a sexualidade. Temos que enfrentar com estes aspectos se quisermos simbolizá-los. O real não é nenhuma espécie de realidade atrás da realidade, mas sim o vazio que deixa a própria realidade incompleta e inconsistente. É o espectro do fantasma; o próprio espectro em si é o que distorce a nossa percepção da realidade. A trilogia do simbólico/imaginário/real se reproduz dentro de cada parte individual da subdivisão. Há também três modalidades do real:

O "real simbólico": o significante reduzido a uma fórmula sem sentido (como em física quântica, que como toda ciência parece arranhar o real mas só produz conceitos apenas compreensíveis)

O "real real": uma coisa horrível, aquilo que transmite o sentido do terror nas películas de terror.

O "real imaginário": algo insondável que permeia as coisas como um pedaço do sublime. Esta forma do real torna-se perceptível na película Full Monty, por exemplo, no facto de que na nudez dos protagonistas desempregados, estes devem despir-se por completo; noutras palavras, através deste gesto extra de degradação "voluntária", algo da ordem do sublime se faz visível. A psicanálise ensina que a realidade (pós-moderna) precisamente não deve ser vista como uma narrativa, mas como o sujeito o há de reconhecer, suportar e ficcionar o núcleo duro do real dentro de sua própria ficção.

SLAJOV ZIZEK ( Fonte:Wikipédia)

Enviado por Tópico
AnaCoelho
Publicado: 16/07/2009 20:31  Atualizado: 16/07/2009 20:31
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Mensagens: 11255
 Re: memórias de um amnésico VIII
Memórias numa viagem enigmática na gaveta dos sonhos (in)acabados...

Estou a gostar destas memórias de um amnésico com grande criatividade.

Beijos