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O Lambe-botas

 
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O Lambe-botas
Betha M. Costa

Era um homem de pouco corpo. Desses que uma mulher ao ver na rua nunca virava para uma segunda olhada. Óculos em descompasso com o rosto chupado, roupas mal talhadas com aspecto de velhas e amarrotadas. O dito estilo despojado para qualquer conhecedor de moda...Nas mãos um lenço para tentar segurar a coriza da rinite crônica.

Estava sempre perto de grupos ou pessoas a quem pudesse proferir elogios toscos e principalmente fazer favores. Sim, sentia-se realmente útil e grande!Desprovido de talentos que levassem outrem a admirá-lo e desejar sua amizade e/ou afeto; prendia pela gratidão que julgava conseguir sendo "prestativo".

O mundo e as tais pessoas por ele veneradas como Deuses o desprezavam. Comentavam a boca pequena o quanto era chato, presunçoso e lambe-botas. Todos percebiam seu jeito dissimulado de tentar parecer ser grande, bajulando para que recebesse em troca as mesmas benesses.Usavam-no como um tapete onde se limpa os pés e depois fica jogado ao chão.

Assim passavam os dias para esse ser sem atrativos. Não tinha emprego.Nada a ele estava de acordo com seu potencial.Morava encostado na casa dos tios que o acolheram e criaram como filho após o abandono dos pais.Ambos sumiram no mundo e nunca mais deram notícias.

Um dia, em uma das suas incursões pelas ruas, visualizou dois de seus “amigos” a conversar no bar que freqüentava. Curioso e indiscreto, ele entrou sem que fosse notado, sentou-se de costas em mesa próxima e ficou a escutar a prosa alheia. Seu semblante a cada palavra ouvida desfigurava-se. Era dele que falavam entre gargalhadas!Sua aparência ridícula, sua rinite, seu pouco saber, sua hipocrisia, sua figura pequena por dentro e por fora.

Levantou-se rumo à saída. As imagens de sua existência dançavam nos seus pensamentos em chacota a farsa que ele era. Descobriu-se um nada.Na rua o vai e vem das pessoas misturavam ao trânsito a cena de horror da descoberta de si mesmo.Veio o ônibus em alta velocidade.Atirou-se na frente.Seguiu-se o baque, o amontoado de curiosos, vozes distantes e por fim silêncio e escuro. Repousa na gaveta 187.654 do Cemitério de São Jorge após ser velado somente pelos tios.

 
Autor
Betha Mendonça
 
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Enviado por Tópico
VónyFerreira
Publicado: 14/07/2009 16:37  Atualizado: 14/07/2009 16:38
Membro de honra
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 Re: O Lambe-botas (re-edição)
Olá Betha
Não conhecia este texto, e por isso mesmo fico feliz por o ter lido já que o mesmo retrata uma realidade que (infelizmente) parece fazer parte
de todos os cantos do mundo.
A maior miséria humana é, penso, PERDER A NOSSA DIGNIDADE!
Gostei muito deste teu texto revelador da tua versatilidade e da tua perspicácia para analisar psicologicamente certas atitudes do ser humano.
Beijo
Vóny Ferreira


Enviado por Tópico
(re)velata
Publicado: 14/07/2009 19:39  Atualizado: 14/07/2009 19:39
Membro de honra
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 Re: O Lambe-botas (re-edição)
É um excelente texto, cheio de sabedoria. Se optarmos por ser uma farsa, sê-lo-emos antes de mais para nós mesmos.

Parabéns!

Um beijinho


Enviado por Tópico
RoqueSilveira
Publicado: 25/02/2013 11:47  Atualizado: 25/02/2013 11:47
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 Re: O Lambe-botas
Vejo aqui realmente um espelho incrível da sociedade cruel. O aqui, assim como qualquer outro lambe-botas, certamente porque pobre e dependente da caridade age assim em consequência da sociedade egoista, classicista, hipócrita em que vivemos.
Grande texto de crítica social Betha, parabéns.

Enviado por Tópico
VónyFerreira
Publicado: 25/02/2013 11:51  Atualizado: 25/02/2013 11:51
Membro de honra
Usuário desde: 14/05/2008
Localidade: Leiria
Mensagens: 10301
 Re: O Lambe-botas
Em nome do Pai
Do Filho
e Espírito santo,
amém!

Aff... Como sou feliz!! Sinto-me tão bem hoje...
já cumpri a minha boa ação do dia!