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Re: CHAVE DE COFRE, PRECISA-SE (URGENTE)
A minha razão
A minha razão é tendencialmente positiva! Quer dizer, não tenho muitas razões para me queixar. Um deve e um haver com saldo mais, uma situação bem acima do “break even”, uma massa crítica que, se não está à vista é apenas porque no dentro de cada um só esse mesmo um pode ver, e mesmo assim, nem sempre, questão de segredo bancário, penso, que nem ao próprio permite análise. Uma massa crítica escorchada no saldo global, nas lembranças boas, nos maus bocados mesmo, nos apertos que, vistos do agora, perdidos em angústias e desesperos mortos, tal qual os mortos, mesmo os que não deviam nem deixar imagem, se tornam bons e saudosos. O tempo tem destas coisas, vocês sabem e nem paga a pena perdê-lo em tal cogitar, senão para o referir como abono do que aqui se pretende informar. Não me importo de citar. Neste caso, Neruda, “o poeta dei donni”, diz o carteiro do filme, e acrescento eu, o poeta do povo chileno, o poeta que morreu com a pátria ferida, com os poetas mortos na barbárie. “Confesso que vivi!” Também eu, repito como o eco de Neruda. Também eu! Nasci e quase matei a minha mãe. Os séculos atrasados não haviam ainda arredado pé da aldeia. Mais bruxa que médico. Parição difícil. A sorte não quis carregar-me com esta dívida e dessa escapei sem mossa. Não fora a minha mãe, minha mãe, quer dizer, se eu pudesse recordar o episódio como de um outro eu que não eu, de um outro eu que não este que aqui se expõe, que aqui tem de jogar-se inteiro, despir a pele, mostrar os confins de dentro, e, provavelmente diria agora que não valeu de grande coisa a não morte de então se entretanto a morte a colheu já, adiada apenas, distraída noutros lugares e gentes nos anos que mediaram. Não estou assim tão seguro, se é vida a vida que se tem entre um sinal da morte e a morte que dizem verdadeira e final. Se os actos todos, dores e alegrias, derrotas e vitórias, desilusões e esperanças, medos e festa, misérias e riquezas, fomes e farturas, se tudo isto é mesmo vida vivida ou apenas representada. Obrigação de quem sofreu o aviso e segue em frente à espera de mais avisos ou da loba, ou respiração emprestada, imitação de gestos, morto já e inevitável a macaquear vida viva. E se pensarmos bem, digamos, que serventia têm os actos de tal gente avisada de morte antes do tempo esperado, assim dizer, credenciada apenas para continuar mancando por aí, mas já de coval marcado. Dirão! Não é bem assim, gaita. Quem morreu, morreu mesmo, não passa anos a lixar a vida a outros, ou, ao contrário, a fazer o bem, a construir coisas sólidas que irão perdurar pelos anos, a plantar árvores, ou a cortá-las, e neste caso, lá vamos nós cair no mesmo, se árvores cortadas não existem e ninguém garante que existam as que estão de pé. Não parece caminho certo, este, de tudo pôr em causa, de duvidar, do tempo, do lugar, do modo, do ser... Ou pelo menos não é caminho fácil, acomodados que estamos às certezas, a mão moldada no cabo da enxada.
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