Companhia de Sensações I
a Alegria vestia-se sozinha. calças de ganga gastas com algumas nódoas e um top cor berrante, ofuscante aquando o sol esbatido no peito, no ventre, no que a ninguém pertence. brilhava um sol ardente e com ele brilhavam todos os olhos, semicerrados e ofuscados pela tua cor berrante. no húmido rosto, a aparência inocente até parece verdadeira. mantida no tempo por frutos sasonais, alguns ricos em fibra outros ricos em gula e fetiches de me percorrer o corpo, de ajudar o Verão a queimar-me a pele exposta ao sol.
o vulcão acorda em mim adormecido, a lava branca não tem destino certo. a tua boca, a tua quente boca. os olhos sempre húmidos e a boca por vezes seca. troca de ofícios e de caprichos.
percepções - o céu pára a chuva cansada de cair. a minha namorada enriquece o coração enquanto dorme, salgada e sonha. o Desgaste, amigo de longa data - o mais antigo de todos - ainda está acordado. olha a rua no inicio da vida de mais um cigarro. daquele copo ainda a meio, dá vida a mais um cigarro. dá vida à morte e descansa o olhar num banco de jardim por baixo dos olhos fechados. o meu amigo Desgaste sempre viveu fiel à sua razão, nas vezes que foi chamado a intervir, jamais chegou atrasado. na outra ponta da casa, respousava a mais feminina das mulheres. a Loucura deixou a tremule realidade a quem ainda não adormecera, e entrou no mundo irreal depois de massacrar violentamente o sexo. repousava despida no colchão, com um lençol branco a cobrir-lhe algum corpo. é nestas horas da noite que Loucura prefere viver, mas hoje estava mais cansada que um cavalo de corrida.
a Embriaguez saiu marcava o relógio nove horas. a minha amiga Embriaguez é a minha mais recente amizade. nos passos solta dos ténis uma fragância a chulé com cheiro a álcool, nas palavras saía um sopro do álcool revoltado que se confundia com absinto ainda na garrafa e no sangue, o sangue era tão fluido e claro como a água. as contusões eram quase brancas. era familiar verter o sangue para um copo e servi-lo à refeição. era álcool do mais puro. quando entra em casa, costuma entoar aos gritos o nome da minha namorada: Solidão. Solidão é o nome da minha sonhadora namorada.
Hugo Sousa
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Companhia de Sensações II
o Medo está ausente. nestas noites mais pálidas, encarna a vontade de deambular pelas ruas, entre paredes e descampados. leva nos olhos uns óculos escuros para o disfarce. todos desejam esconder os medos, e o Medo tenta o disfarce. é conhecido na morta vizinhança como o estripador, é visto por todos os olhos como o penetra corpos. leva numa mão, subtilmente ligada ao pulso por uma corrente, a faca. na outra, protegida por uma gasta luva vermelha, transporta o peso do encontro da mão dele com a mão esquerda da Paixão. Paixão é nova. regista na pele vinte e dois anos e nos dedos sangue de corações.
percepções - o verde acastanhado das ervas entre os paralelos do parque de estacionamento tentam arrebitar. as pedras cinzentas posicionam-se geométricamente iguais. é sempre tudo tão igual. da janela do quarto andar, Desgasta manda a última beata, do último cigarro, em queda livre até ao murmúrio do eco silencioso de encontro com o chão. a Solidão sorri. o sonho é quase a perfeição em acontecimentos. na outra ponta, estalavam as molas do colchão de Loucura. o som beliscava a casa. eu sentado na cadeira da cozinha. Desgaste encostado à janela, da cozinha, já fechada. a chave cravou na fechadura. Embriaguez acabara de chegar.
- / - (falta o dialogo que não será publicado no site)
a casa estremeceu. não pelo barulho repentino, não do tom bruto das palavras. finalmente uma aprição de vida aconteceu.
da porta de entrada à cozinha são três passos para a esquerda. para a sala ocupada por uma decoração na penumbra bastavam dois passos em frente. Solidão surgiu, vinda da direita, com doze patadas suaves sobre o chão frio até Embriaguez.
- / - (falta o dialogo que não será publicado no site)
percepção - é erguida com as forças precisas para o derrube da muralha da China. um foguetão não causaria tal impacto, no arranque contra a terra, como o estrondo da cabeça contra a porta. e as sanguessugas? essas macabras bocas, piores que piolhos e putas.
Hugo Sousa
(Partes da peça teatro que estou a escrever)