Prosas Poéticas : 

Árvores de Sanguessugas III e IV

 
Árvores de Sanguessugas III

quantas (muitas) são as traições em pensamento? soltaram-se do sonho para envergar, nos teus lábios, o desejo de me vazar o coração.

ela ou ele acende um cigarro de quem desmistifica o mais guardado dos segredos. tem asas a cobrirem o terror de não poder voar no bocejo do desejo. os sítios que agora conheço, por onde passo, são mistérios onde procuro vestígios de mim, a minha alma ardente, queima a madeira gasta pelos passos nalgumas cidades. - o coração de serpente ainda não vacilou, as sanguessugas permanecem adormecidas e eu sozinho -. escrever para recordar. não consigo perder a memória, paisagens do cume montanhoso, luzes abrilhantam as vidas das cidades escuras.

vou cortar o tendão que me liga o corpo aos passos, fantasma, das palavras.

quantas são as traições do pensamento na masturbação nocturna? fantasiaste sozinha, acompanhada por tantos outros homens.

a apresentação foi a primeira que cruzou as palavras e o corpo.
sugar-me o coração? nem as histórias que compõem as civilizações correntes me emocionam, tenho interiorizado um mau feitio que me dei a conhecer. acordo, adormeço, sonho ou morro, não me importo. trais-me em pensamento e eu morro e não me importo.

percepções - as minhas mãos húmidas, secas por dentro e de pele camaleão, vestem o medo de te desejar. muitas foram as demais vezes que estiveram estendidas. nem um muro para tocar. só existiam ausência e saudades para apertar, para alimentar as mãos. e os braços, quase tentáculos de polvo, com um esboçar frio no preenchimento. os pulsos dobram e vergam as mãos para um abismos, uma manhã de nevoeiro que não deixa ver as montanhas, tudo parece limitado e tão perto. as mãos vergadas a afogarem-se no abismo. um pé na boca para encaminhar os gemidos. um pé para encaminhar os gemidos.

Hugo Sousa

-
-

Árvores de Sanguessugas IV

ser, então, é sentir com toda a pele, é ouvir com todos os orifícios e chorar com todas as forças. a ânsia de duas ou três palavras tuas preenchem o dia. a ausência de duas ou três palavras tuas completam o dia e a noite.
começo por imaginar palavras mortas, depois, aproximo-me da cama e deixo o corpo em queda livre de encontro ao colchão. soletro o tecto, as paredes, a sujidade nas paredes e o silêncio. puxo-me para dentro de mim e grito. ecos movimentam um corpomoto. as garras na ponta dos dedos rasgam a pele e chove. uma chuva silenciosa, sem pavimento. não foste esquecida e eu nunca quis ser uma opção à solidão. chegaram as duas ou três palavras e continua tudo na mesma. a vida é a cada respirar a presença da tua ausência. a traição perdeu a virgindade. parecem-me os ossos com febre. a traiçãodá-me febre e peso nos ossos. tenho as veias acidadas, um coração que já circula com bocados de mim. qualquer dia coagula e eu rebento como os corações, que sentem em excesso.

Hugo Sousa

 
Autor
HugoSousa
Autor
 
Texto
Data
Leituras
1049
Favoritos
0
Licença
Esta obra está protegida pela licença Creative Commons
1 pontos
1
0
0
Os comentários são de propriedade de seus respectivos autores. Não somos responsáveis pelo seu conteúdo.

Enviado por Tópico
anjinho_perdido
Publicado: 06/06/2007 10:54  Atualizado: 06/06/2007 10:54
Participativo
Usuário desde: 21/05/2007
Localidade: Açores
Mensagens: 42
 Re: Árvores de Sanguessugas III e IV
Estupefacta ao ler-te…simplesmente arrebatador!