Tornaste-te tão distante… Mas quando foi que isso aconteceu? Tento pensar e não consigo, os pensamentos e as memórias juntam-se num emaranhado de sentimentos, sentimentos esses que me pesam no coração como mil toneladas de aço.
Quando deixamos de nos olhar? Quando deixámos a distância entrepor-se entre nós? Quando deixamos de dirigir-nos um ao outro com amor e passamo-nos a tratar um ou outro com amargura? Quando? Quando aconteceu tudo isso que eu nunca quis? Quando começamos a ser estranhos um ao outro?
Ainda me lembro daquele dia de nevoeiro em que te conheci. Foi ao pé do porto marítimo de Lisboa, em Belém, ao pé daquela antiga estátua que homenageia os heróis dos descobrimentos portugueses… aquele lugar de onde partiram os sonhos e regressaram promessas…
Era de manhã e sol espreitava tímido, aproximei-me do cais e sentei-me na encosta de pedra… Olhaste para mim mas fui-te indiferente… Olhavas para lá do horizonte procurando algo, senti-me tão estranho, ainda hoje me sinto olhando esse horizonte todo! Tão imenso e inalcançável! (Só hoje sei que horizonte; é sinónimo para felicidade…)
Olhei-te de soslaio, e tive o mais belo ou mais ridículo impulso que jamais tive. Abri a mala e de um caderno rasguei uma folha de papel; fiz um barco, tão pequeno o barco e tão grande o rio que desaba no mar! Deixei o barco no mar e vento levou-o na tua direcção, reparaste no barco e delicadamente tiraste-o da água… Olhaste para o barco espantadamente e começaste a virar a cabeça de um lado para o outro, para ver de onde vinha o barco; provavelmente esperavas que o barco pertencente a um pequeno menino qualquer a chorar, que havia deixado escapar o barco sem querer enquanto passeava com a mãe de mão dada. Foi então que reparaste em mim de caderno no colo ainda com a marca da folha rasgada…
Sorriste… Sorriste e então o meu barco sem porto, descobriu por fim o farol, e consequentemente; o caminho para terra… Olhaste mais uma vez para o barco de papel e reparaste que tinha um nome; talvez das coisas idiotas que jamais escrevi… O barco tinha este nome: “Queres ir beber um café? Eu pago!”… Sorriste então mais uma vez… Um sorriso puro e desperto de alegria; um sorriso que me fez “querer-te” ainda mais!
Aceitaste então o meu pedido… Bebemos o café e conversamos então… A meio da conversa a minha curiosidade falou mais alto e perguntei-te o: Porquê? Porquê aquele olhar distante? O: Porquê de olhares para o horizonte?
Respondeste-me imediatamente tão calma e serenamente que olhavas o mar… “O mar roubou-me quem mais amava… O meu pai e a minha mãe partiram com o mar, o mar encantou-os e levou-os de mim para sempre… Então desde há um ano para cá, tenho sempre vindo para Belém, de onde eles partiram numa viagem de barco, procurando as repostas do porquê o destino mos ter tirado eternamente? Porquê a mim?”
Quando o acabaste de o dizer peguei na mão e disse que eu também perdi o meu pai quando menos esperava e que a surpresa da sua morte ainda hoje me fazia adormecer mais tardiamente… depois de muitos “Porquês?” também eu hoje compreendo a razão! “É assim a vida!”
Olhei então nos teus belos olhos azuis e disse-te também calma e serenamente... “A vida é como o mar, assim como as ondas do mar que embalam a praia, consomem as pedras mas deixam sempre conchas; a vida por vezes também é como as ondas do mar; tira-nos quem amamos, mas deixa-nos sempre algo para não deixar a esperança morrer…”
Olhei mais uma vez nos teus olhos de profundo azul e vi uma lágrima ser solta por entre eles e correr-te a face; limpei-a suavemente com o dedo e senti a tua respiração mais perto… Selaram-se os nossos lábios e despertaram-se os sentidos…Ouvimos o mar ao longe, ouvimos as estrelas cochichar no céu…E de mão no peito sentimos então o coração um do outro… Como as ondas mar! Tão intensos e pulsantes… Dois corações e um destino…
Dois corações e um destino unidos!
Por um barco no cais…