sempre fui um morto que escolheu viver mortificado. as razão podem não ser as mais plausíveis mas, na verdade, nunca quis usar no dedo a aliança que me unia verdadeiramente à vida. na falta de cor da noite, se me imunizar da luz proveninente dos candeeiros nocturnos, sinto a solidão mais forte. sinto a morte mais forte. sinto...sinto peixes a nadar na minha cabeça; sinto...sinto um latejar além do pensamento, que me amedronta; sinto...sinto que não sei mais o que sinto.
o chão perpendicular à minha elevação está ameno, no sofá torna-se previsível um fraquejar ao meu sentar. está tão farto quanto eu de pesos e movimentos plenos, apelativos ao comodismo. paredes erguidas formam esquinas por onde a espera já passou, mostram vaidosamente a desconhecida camada de tinta que, tão enganosamente nos dizem, a protege. se a protecção fosse resumida em tinta, pintar-me-ia da cor mais clara para ser confundido no dia. os quadros na parede tentam formalizar a simpatia. o espelho circunscrito por madeira reflecte as imagens de uma realidade. o que transfigurará quando nenhuns olhos o presenciam? as dúvidas tornam-se pele a soltar-se da pele no corpo escaldado, puxam-se pela ponta e vem o universo duvidoso atrás. o espelho. as cortinas trabalham no ofício de me esconder, de me camuflar do dia. como a tinta na parede mas de uma forma mais certa, as cortinas protegem-me da realidade exterior e longiqua à minha presença. a minha cruel presença, indefinida na importância do que é realidade. a minha presença morta por não se querer aliar à vida. a minha presença só respira a minha presença num espaço que vive comigo. a minha presença só conhece o silêncio, só conhece o silêncio e o pensamento silêncioso.
Hugo Sousa