Crónicas : 

ESTRANHA FORMA DE CONTAR

 
ESTRANHA FORMA DE CONTAR

A partir dos 40 anos, julgo ser difícil que alguém passe um dia sem que, por fracção de segundos que seja, se confronte com a questão da idade, e embora se furte a cair no mórbido da reflexão, é fatal que por esse relance de pensamento passou a ideia da morte. Mas isso ficou-se quase pelas bandas do subconsciente, porque a verdade é demasiado verdadeira para que se gaste tempo a dar-lhe crédito…
Essa pretensa fuga à realidade ajuda a que, apesar de tudo, se perpetue a ideia de que a velhice vem ainda longe e de que havia flagrante equívoco nosso quando da meninice, considerávamos velho um homem de 50 anos.
Se temos 50 anos, o mais que nos atrevemos a pensar ou dizer é que estamos na meia idade, esquecendo-nos que o dobro de 50 é 100 e que centenários, por escassos, são dignos de realce nos jornais, com espaço para fotografia e tudo.
Não pretendo ser pessimista neste meu deambular. O que não consigo é furtar-me a um frente a frente com a realidade, por muito incómoda que esta seja. Sinto isso como natural e saudável. Não o seria se caísse na obsessão, no ensimesmamento. Esses procuro evitá-los tanto como aturdir-me para me esquivar a um eventual “vis á vis” com a única verdade de que estamos certos.
Mas o que está em causa neste momento é muito simplesmente a questão da idade – a idade que temos. É que dessa eu tenho uma noção muito pessoal, que admito seja mesmo doida, mas não vejo que lhe faça…
Admitindo que tenho 50 anos (já por lá passei), o que eu estou convencido que tenho é 50 anos mais todo o tempo que está para trás até à hora em que nasceu o nosso mais remoto antepassado. Quero dizer que sinto de alguma maneira que comecei a existir exactamente quando esse ser “começou”.
Isto leva-me a uma conclusão que pode ser considerada dramática. É que, a ser assim, essa história de eu estar na meia idade passa a ser inteiramente absurda. Mas pensar que, se tudo correr bem, tenho ainda mais um terço do meu tempo para viver, continua a ser absurdo.
De facto, não quero ser mórbido nas minhas conjecturas, nem estou convencido que o seja. Mas se admito que existo desde o “Principio” (o principio do homem, é óbvio…), fatalmente só me restam (lisonjeira hipótese) uns 30 anos, o que, levado à escala do tempo da vida do homem na terra corresponde quando muito a uns escassos segundos.(…)
A ser assim, sem querer ser pessimista – volto a repeti-lo e admitindo que me espera uma “vida razoavelmente longa”, a enorme verdade é que eu (cada um de nós), está mesmo, mesmo, no “canto do cisne”…

Antónius

 
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luciusantonius
 
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Enviado por Tópico
Branca
Publicado: 22/06/2009 20:37  Atualizado: 22/06/2009 20:37
Colaborador
Usuário desde: 05/05/2009
Localidade: Brasil
Mensagens: 3024
 Re: ESTRANHA FORMA DE CONTAR
Caro poeta, com sincerade me afilio aos seus pensamentos. Embora para muitos essa lógica da idade é motivo de fuga, eu não me incomodo em falar. Mas, também já passei dos quarenta, e embora não deixe de me perguntar como gastarei as fichas que me restam nos anos que se seguirão, procuro me consentrar mais no hoje...
Mas foi ótimo abordar este assunto, não acho estranha tua forma de contar, mas é que temos que contar.
Beijo no coração.

Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 22/06/2009 21:21  Atualizado: 22/06/2009 21:21
 Re: ESTRANHA FORMA DE CONTAR
Meu amigo,

Nada mais verdade, só que eu tive o primeiro batimento interior aos 38 anos. Hoje com 47 anos sinto exactamente o que diz.
Mas o mais engraçado é que nada nem ninguém me ouvia, todos se escondiam atrás da crua e real realidade. E não piorando o seu raciocínio que eu conseguia e muito rapidamente, resta-nos 30 anos
Um abraço

JLL