Contos : 

No psiquiatra (Conversa nº1)

 
Sentado na porta do consultório o homem passa as mãos pela cabeça, na mente um conjunto de histórias sobre psiquiatras, nos pulsos ainda as feridas ligadas ainda a doer-lhe... olhou para os lados, a sala era branca, ao canto superior direito via-se um televisor desligado, havia tanto pó sobre ele que acreditava nunca ter sido usado,o gabinete da secretária estava vazio, à sua frente numa maca um homem tentava arrancar com os dentes o adesivo que lhe prendia os pulsos... estaria a ficar louco?
À sua cabeça vinham-lhe as piores lembranças, medicamentos a mais, uma faca a menos no faqueiro,o buraco no quintal, que teria ele feito?

_ Próximo... Senhor Manuel Oliveira.

A voz ao longe chamava-o mas o seu corpo não o queria deixar ir. Ia fciar só mais um bocadinho a sentir-se vivo numa cadeira, na sala de espera da ala de psiquiatria, só mais um pouco...

_ Senhor Manuel Oliveira? Não está? Passaremos então ao próximo...

_ Não espere, sou eu.

A voz quebrara o gelo do silêncio, fustigava agora o corredor deserto e entrava no consultório.
Sentou-se na cadeira giratória, olhou as paredes brancas, a bata branca onde se lia no bolso "Psiquiatra: Castro Real", era um bom nome, de alguma família conhecida que ele não conhecia concerteza...

_ Senhor Manuel, você tem cães?

_ Sim senhor doutor, tenho dois. (mas porque diabo estaria ele a perguntar-lhe pelos cães, pensava Manuel com os pulsos a doerem).

_ Sabe o nome deles?

_ Claro. Ora o cão de caça é o Ronaldo e o pequeno é ... é Faísca.

_ Muito bem.Sabe que dia é hoje?

_ Sei sim, é madrugada de 13 de Maio de 2007.

_ Muito bem. O Senhor Manuel parece ser daqueles gajos que gosta de uma morte fixe, radical, assim putente mesmo. Não é?

O médico levantara-se e avançara sobre ele com uma expressão meio repreendedora meio incentivadora...

_ Senhor Doutor desculpe mas...

_ Não há mas nem meio mas, gosta ou não? Tem cara disso... Sabe qual é a melhor morte para mim? A maneira mais radical de morrer?

_ Não Senhor Doutor. Mas o meu problema é...

_ ... é usar uma tesoura e golpear-se todo, isso é que era altamente Senhor Manuel. Agora imagine se isso fosse feito aqui no consultório? Ia ser o delírio do Hospital inteiro. Já estou a imaginar...

_ Mas oh Senhor Doutor o meu problema...

_ Quer morrer? Mate-se homem. Eu até lhe cedo as minhas tesouras, são jeitosas. Veja.

O Doutor Castro Real entrega as tesouras a Manuel, ele vira-se e dá duas voltas à sala, na sua cabeça todos os problemas, a mulher que o traiu, o primo que morreu, uma data de coisas que queria contar ao médico mas que ele não deixava, olhou o médico nos olhos, o médico riu enquanto soltava umas palavras...

_ Você é um fraco senhor Manuel, medíocre... quer morrer e não consegue. Você consegue alguma coisa na sua vida?

_ Sabe Senhor doutor...

A cara de Manuel tremia, as veias inchadas saltavam-lhe da face, as mãos seguravam a tesoura junto á garganta.

_ ... sou um homem forte, já aguentei muito, aguento até a dor, quer ver?

_ O senhor Manuel não seria capaz...

Disse o médico voltando-se para a janela

_ ... o senhor Manuel é um fraco!

Ouviram-se os seis movimentos do Manuel, a tesoura seis vezes atravessou o seu tronco, o Psiquiatra de rosto pálido assistia impávido a tudo aquilo, as enfermeiras acodiram em peso mas já não havia nada a fazer, o sangue jorrava por todo o lado manchando o branco do consultório.

Nem o senhor Manuel era fraco nem o Castro Real um bom Psiquiatra...


. façam de conta que eu não estive cá .

 
Autor
Margarete
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