Poemas : 

Carta a um destinatário incógnito

 
Parede, 08/04/2009


Meu caro F.

Às vezes dou por mim a reflectir sobre os pontos principais em que assenta (ou deve assentar) uma poética do plurívoco. E sinto necessidade de o dizer a alguém que me escute e entenda.
Esse alguém só pode ser o meu amigo F. que me sabe entender com a paciência que lhe é própria de bom ouvinte.

Ora bem:
Em boa verdade a poesia que até aqui se fazia visava apenas e só o conhecimento do já sabido. Não explorava e pouco interrogava. Em boa verdade quase se limitava aos lamentos.
Noto, contudo, nalguns dos seus poemas, cujos originais o meu amigo me deu oportunidade de ler em primeira mão - principalmente no seu "Livro das..." e no "do meu Grito..." - alguma preocupação em interrogar sobre a finitude do homem e a existência de deus - do deus de alguns homens - perante a guerra e o desajuste do mundo.

Daqui V. se distingue da grande maioria dos petas - e dos poetas de hoje, principalmente.
Mas falta-lhe algo para que a sua poesia seja a poesia do conhecimento, em meu entender. Falta-lhe a palavra poética capaz de revelar o conhecimento de algo que permanece ainda por desvendar.
É importante que a palavra se dê a conhecer com essa finalidade.
Porque a palavra é; porque a palavra cria, no interior do poema, a sua própria referência; funda uma nova realidade que cabe a cada um de nós, poetas da palavra nova, descobrir e assimilar.

Ora veja se tenho ou não razão.
Atente neste poema que lhe mando. Nele deixo à sua consideração ( e dos demais leitores que um dia o venham a ler) a possibilidade de o interpretar, e descobrir nele o que permanece ainda por desvendar.
Deve ser essa a finalidade da palavra.

Creia-me, por quem é, com
consideração e estima
o seu
Alvaro Giesta



"A sombra do corpo
repousa
no silêncio das bocas por abrir
Pedra a pedra
em ondas de sal a terra e o mar
erguem-se
em desafios a cumprir

Do seu espaço interior tudo
se inicia
Dos eflúvios do parto nasce a luz
que alumia

Constrõe-se o corpo
O edifício faz-se
Pés mãos o cérebro primeiro
Tudo é movimento
Tudo é a causa dele
e o seu fim derradeiro

A espinha dorsal em equilíbrio
suporta o peso do edifício todo
O cérebro abre-se
Um mar de luz invade o corpo
Ascende-se ao conhecimento"


para o projecto “o íntimo da palavra”)


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AlvaroGiesta
 
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