Amanheceu faz muito neste, inglês mas mal-afamado , bairro social. O Sol faz com que as garrafas que poluem os passeios, vazios simbolos da noite passada, brilhem ofuscando os passantes.
Numa anónima moradia a televisão berra, poluindo o ar com balelas logo pela manhã. Um cheiro a fritos, torradas queimadas e fraldas sujas flutua no ar.
No sofá coçado e já feito a tantos corpos, uma mãe afaga o cabelo da sua menina.
A mãe,de olhar perdido no ecrã vai afogando o tempo em pacotes de doces e salgados, tentando assim trazer algum sabor a uma insípida vida.
A criança, pouco entendendo mas tudo absorvendo, vai mastigando deliciada uma barra de açucar refinado e chocolate marado.
O tempo vai escorrendo lânguido entre telefonemas vazios de conteúdo e alimentos vazios de valor nutritivo.
A criança apesar de já ter 3 anos, mal fala e ainda é carregada na cadeirinha para todo o lado.
Aproveitando um intervalo no programa, única altura possivel para tentar comunicar com a mãe, lança o elogio e arrisca a pergunta.
"Mamã, tens as mãos tão fofinhas e o papá tem as mãos tão rijas. É por causa do Fairy Loiça?"
A resposta veio de rompante e sem contemplações.
"Daaah! És mesmo estúpida!
Primeiro tu não conheces o teu pai.
Quem tem a merda das mãos rijas é o teu avô que
está sempre a trabalhar e nunca tem tempo para
ficar contigo. Eu e as minhas coisas que me lixe.
Segundo eu nem lavo a loiça. Tenho as mãos fofinhas porque só tenho quinze anos.
DAAAAAH!"
A criança reconhece o erro e volta ao seu chocolate mais calada que nunca.
A necessidade estará em escrever ou em ser lido?
Somos o que somos ou somos o queremos ser?
Será a contemplação inimiga da acção?
Estas e outras, muitas, dúvidas me levam a escrever na ânsia de me conhecer melhor e talvez conhecer outros.