Observo passos ao longe:
Na verdade, eu tão-só os escuto. Tenho
A forte impressão de parecerem bastante nitentes
Para o raio de ação da minha audição. No
Entanto, o manto da intangibilidade
Guarnece-os e os absconde
Sobre o ignoto píncaro do monte
Onde irrompe o inexpugnável horizonte.
Como que avidamente,
Fico querendo desvelar
Este hermético mistério, mas não consigo.
Em minha mente,
Vislumbro ordas de ladrões soturnos e escorregadios,
Sádicos seriais assassinos furtivos,
Rancorosos fantasmas:
Habitantes das minhas tenras
Eras lôbregas que me jazem,
Há muito, no memorial limbo.
De repente,
Como num passe de mágica,
Meu pensamento viaja:
Passeia sorumbaticamente
Pelas alamedas da tortura de Guantânamo e de Bagdá,
Do genocídio na plaga do Araguaia,
Pelas salas e celas escuras do DOPS.
Ainda, neste mesmo pungente passeio,
Contemplo um homem
Rosnar ferozmente contra a fronte da
Intencional morte. O nome dele...Vladimir Herzog!
Deparo-me com as feridas psicológicas de frei Tito:
Continuamente florescem e inexoravelmente
O lancinam, dando a luz a um facínora
Que lhe fala cruelmente ao ouvido.
Testemunho impotente e furioso
O condor da maldade,
Trajado sombriamente
Com seu riso malevolamente sutil,
Voar impune, gracejoso, cáustico, soberano:
Hipocritamente intrépido, varonil!
Contudo, é só a verve que se revolta:
Ela constata que a velhacaria
É o maior estandarte da espécie humana;
É a energia que movimenta a roda-viva
Da nossa odiosa invisível força.
Mas a chama do sol teima em fulgurar:
Talvez espere que um dia o povo
Saia do estado de animação suspensa
E reivindique o comando do mundo.
Ah, e a elite destronada,
Ao cair no abismo da desgraça,
Depreenda que uma vida de migalhas
Atenua a fome, porém também,
Erige o caminho para a emancipação
Do dragão confinado no âmago das massas.
JESSÉ BARBOSA DE OLIVEIRA