Prosas Poéticas : 

o universo t o do | dentro de um g a to

 
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o universo t o do | dentro de um g a to
 
Vira a hora das sete para as oito quando a porta do prédio se fecha atrás de mim, é nesse instante que páro, completamente, fora e dentro, não devido ao som da porta metálica a encostar-se, é um gato que se lambe e lava do outro lado da rua, um movimento pendular, repetitivo, na zona lombar esquerda, sinto, à distância de um olhar, a aspereza da sua língua, como se fosse a minha pele a esconder-se debaixo daquele pêlo pardo, sinto, de uma forma estranha, que a vida jamais será mais completa e perfeita e significativa do que isto, este gato que se lambe nesta rua estreia desta cidade, este gato e este lavar, dentro de mim, parecem justificar plenamente a existência deste universo, toda a vida, a sequência infindável e intransigente dos dias e anos, séculos e milénios, corredores sem fim de tempo e luta e miséria e conquista, tudo isso para culminar finalmente, triunfalmente, neste gato cinzento, uma risca branca na cabeça, sim, mas pardo no geral, no cinzento deste gato sinto e vejo todas as cores do mundo. Um universo capaz de parir montanhas que tocam o céu, capaz de verter oceanos que inundam vales sem fim à vista, se esse universo tivesse dado à luz apenas este gato, apenas isto, um pedacinho de carne morna, apenas isto e seria suficiente, a vida nada mais precisa do que um gato a limpar-se, são oito da manhã, passam três minutos, numa rua estreita um gato lava-se e o mundo é completo e pleno assim mesmo.


Não precisas de responder às tuas questões. Precisas é de questionar as tuas respostas.

 
Autor
Andraz
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1903
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