Passa um eléctrico na rua, vai a três quartos, alguns turistas, na praça deambulam inúmeros corpos também, no centro um pedestal gigantesco ergue um outro corpo, de pedra este, e é este o único que com certeza não temerá a morte, não que não possa uma retro-escavadora abordá-lo por trás, ou uns cartuchos de dinamite miná-lo por baixo, naquele corpo não residem temores ou receios fatídicos porque nele não habitam ideias, ali não se vêem pensamentos, é fácil isso perceber, aqueles olhos não mexem, não como o fazem os olhos dos vivos, os globos oculares de carne e osso, o movimento do olhar replica a agitação do pensamento, a agitação do pensamento é irmã gémea da inquietude do coração, do desassossego da alma, naquele corpo de pedra não há um cérebro, nunca houve, nele a paz é eterna, a ausência de vida traz-lhe também a ausência de morte, duas ausências repletas de uma serenidade de gesso, o mármore daqueles membros transpira uma quietude que nenhuma mente poderá algum dia compreender, pena que ninguém repare na paz do mármore no centro da praça, a estátua eleva-se nas alturas, os corpos passeiam-se no rés-do-chão da vida, os olhos nunca se elevam mais do que o primeiro ou segundo andar da existência, é por cima desses que aquele corpo de mármore exala a sua presença silenciosa e indestrutível.
Não precisas de responder às tuas questões. Precisas é de questionar as tuas respostas.