Paulo Monteiro
Passo Fundo, historicamente, se caracteriza pela execução de projetos exitosos que não têm continuidade. Alguns deles tiveram o sentido de dotar a cidade de um título que vendesse a imagem do município. “Terra do Trigo” e “Capital do Planalto”, embora ainda lembrados, acabaram não se consolidando. Na década de 1970 o então prefeito Edu Azambuja, criou o refrão “Passo Fundo – Passo Firme Para o Progresso”, empregado em documentos oficiais. A bipolarização política e o pesado caráter ideológico da expressão acabaram fazendo com que fosse desdenhada por boa parte da população. Também não pegou.
Aldo Battisti, comerciante e líder empresarial, conhece muito bem toda essa história. Em 1980 acompanhou o surgimento de uma dessas muitas marcas que procuram dar uma identificação para Passo Fundo. Conta que a idéia surgiu na cabeça de Walmor Palma, jornalista, cronista esportivo, chargista, cartunista, mas principalmente desenhista de publicidade. Walmor, à época, produzia muitos adesivos, para empresas, uma das quais a Casa Battisti.
Preocupado com o fato de que muitas cidades possuíam um título ou um símbolo representativo, o que não ocorria com Passo Fundo, criou um adesivo com a inscrição “PASSO FUNDO TCHÊ! A MAIS GAÚCHA CIDADE DO RIO GRANDE DO SUL”. O êxito foi imediato. O adesivo espalhou-se pelo país e chegou ao exterior, nos vidro de veículos.
Walmor Palma procurou Aldo Battisti, um dos seus clientes para que conseguisse o apoio da CICASP – Câmara da Indústria, Comércio, Agropecuária e Serviços de Passo Fundo atual ACISA.
O projeto levado à CICASP foi aprovado e lançado oficialmente no dia 13 de outubro de 1980. Na Câmara de Vereadores foi transformado na Lei nº 1922 de 28 de novembro daquele ano. Pouco depois, a 9 de dezembro, surgia a Secretaria Municipal de Turismo, Desporto e Cultura. Registrado no Cartório de Títulos e Documentos de Passo Fundo, o projeto, a 6 de agosto de 1981, foi implantado em nível estadual pelo então secretário de Estado de Cultura, Desporto e Turismo, Luis Carlos Barbosa Lessa, um dos fundadores do atual Movimento Tradicionalista Gaúcho.
Walmor Palma tinha consciência de que muitas coisas estavam em decadência. “Na verdade Passo Fundo, talvez pelo sensacionalismo que o assunto causa, tem sido bastante divulgada através de slogans e coisas negativas como: ‘Gangster-Ciyy’, ‘Chicago dos Pampas’, enfim, como uma cidade infestada de assaltantes e marginais.
“Infelizmente até mesmo o futebol que até a bem pouco divulgava razoavelmente o nome da cidade, ultimamente, está deixando muito a desejar. Outros municípios de menor vulto já se dão ao luxo de poder assistir um constante desfilar de equipes que disputam o Campeonato Nacional e, com isso, atraem para si, semanalmente, milhares de visitantes, que não propriamente turistas, mas que têm se não maior, talvez a mesma importância que estes, pois deixam ali, semanalmente, vultosas somas em dinheiro, gasto em alimentos, combustível, hospedagem, etc.”
A consciência de Walmor Palma, porém, ia muito além da visão econômica. Abrangia o fenômeno cultural com uma lucidez atualíssima. Verificando que Passo Fundo estava sendo ultrapassado por cidades que montavam, “artificialmente”, projetos que canalizavam recursos. Como publicitário procurou encontrar uma “fórmula especial” que contribuísse para o desenvolvimento de Passo Fundo. Entendia que o turismo que enriquecia cidades e estados era mantido por essas “fórmulas”. E citava os exemplos de Garibaldi, Taquara, Canela, Uruguaiana, Flores da Cunha e Gramado, “que apesar de contar com o auxílio da natureza, assim como suas principais atrações, como hotéis, locais de lazer, hortências, foram criados pela ‘cabeça’ e pelas mãos dos seus habitantes”.
“Cidades que a natureza premiou com belíssimas paisagens assim mesmo passaram a usar uma variedade enorme de subterfúgios a fim de incrementar ainda mãos o seu campo turístico como é o caso do Rio de Janeiro, com seu carnaval, o seu Cristo Redentor, o Quitandinha e o seu famoso bondinho suspenso, além de outras atrações”.
Após lembrar vários outros centros turísticos “criados pela ‘cabeça’ e pelas mãos dos seus habitantes”, lembrou que a aceitação do seu slogam se devia ao fato de que o mesmo ligava-se ao imaginário passo-fundense, onde muitas empresas conceituadas já divulgavam o imaginário gauchesco, entre as quais: Gaúcha Madeireira, Cine Teatro Pampa, TV Umbu, Churrascaria Gaúcha, O Capataz, Livraria Saci, Churrascaria Laçador, Esporte Clube Gaúcho, Pampa Serviços e Auto Peças e muitas outras.
Assim, essa criação artificial estava madura para dar certo. E propunha uma série de idéias, que não chegaram a ser postas em prática.
Aldo Battisti, que mantém um acervo de materiais sobre o projeto “Passo Fundo Tchê”, afirma que o adesivo era disputado Brasil afora. “O projeto tem muitos pais da criança, mas a idéia é do Walmor Palma. A repercussão fez com que muitas cidades ficassem bravas. A polêmica acabou projetando ainda mais o projeto, que acabou recebendo o apoio de dos fundadores do Movimento Tradicionalista Gaúcho: Barbosa Lessa e Paixão Cortes, que formularam as pretensões adventícias, com um argumento irrefutável: a primazia passo-fundense em assumir o título de Cidade Mais Gaúcha do Rio Grande do Sul”.
O apoio de Barbosa Lessa foi importantíssimo, pois mandou para Passo Fundo o artista plástico Ciro Del Nero, que elaborou diversas peças publicitárias, entre as quais a bota e o chapéu. “Como era paulista – conta Aldo Battisti – as peças montadas por Ciro Del Nero provocou ciúmes bairristas, especialmente entre alguns patrões de CTGs, que criticaram a ‘autenticidade’ das produções do conceituado artista”.
Entidades de classe, Câmara de Vereadores e Prefeitura encamparam a idéia.
Aldo Battisti lembra iniciativas práticas do projeto Passo Fundo Tchê: “Fui designado para apresentar o projeto ao público porque o Walmor Palma estava bastante doente, proibido pelos médicos de participar de atividades que causassem emoções fortes. Durante um bom tempo, empresas incentivam seus funcionários a trabalharem pilchados, calendários e cartões postais e natalinos eram confeccionados com temas gauchescos, participantes de concursos de moda desfilavam vestindo motivos tradicionalistas, o próprio Esporte Clube Gaúcho usou um uniforme com detalhes gauchescos. Astros do cinema e da televisão, como Xuxa, literalmente, vestiram a camiseta do projeto”.
Vinte e nove anos depois, Aldo Battisti ainda defende o projeto. “Acho que o projeto Passo Fundo Tchê ainda tem sentido porque trabalha com a cultura gaúcha, uma coisa que nunca vai cair, porque é eterna. Não sei quem vai mexer com isso, mas que continuo acreditando na força disso aí continuo. E tem mais: o projeto deve ser continuado posto em prática por obrigação legal”.
Curiosamente, Walmor Palma, durante a administração Edu Azambuja participou do concurso que culminou com a escolha do slogam “Passo Fundo, Passo Firme para o Progresso”, com dois slogans: Passo Fundo, Tchê!” e “Passo Fundo, Cidade Cultura”. Hoje, por força de leis, somos Capital Estadual e Capital Nacional da Literatura.
poeta brasileiro da geração do mimeógrafo pertence a diversas entidades culturais do brasil e do exterior estudioso de história é autor de centenas de artigos e ensaios sobre temas culturais literários e históricos