Um poema da Poetamaldito("Somos um país de panelas"), que comentei, fez-me relembrar algo que escrevi, há um ano e uns meses, sobre o 25 de Abril.
Coloco-o aqui como homenagem.
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Senhoras e Senhores, podem sentar-se.
A pantomina desceu á rua.
Riam, aplaudam. Os actores têm as gargantas calibradas.
Banda, ataque o Hino! Os senhores estão a chegar.
Os centuriões da GNR penteiam os carrapitos.
"É entrar, senhoria, a ver o que cá se passa; sete ratos, três enguias, uma cabra abracadabra..."
Um cravo vermelho para quem ainda se lembrar da letra. Da música. Do autor.
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Gosto das paradas militares. Gosto de ver civis a passar revista a forças militares num passo forçado de marioneta. Gosto do que se diz ao ouvido entre senhoras dos camarotes de honra. Gosto da falta de treino de Mário Soares que já não consegue prender o cravo vermelho na lapela e, pragmaticamente, o enfia no bolso. E gosto de ver todos os outros a seguirem-lhe o exemplo. Todos perderam já o treino!
Gosto das entradas com passadeiras vermelhas. Dos alegados militares de Abril, de cabelos compridos apesar de brancos. Gosto da bandeira a adejar por sobre os mitos. Gosto de ouvir o Hino. Gosto de alguns discursos. Gosto dos que passam em frente à câmara porque não conseguem mascarar o seu fascínio pela notoriedade. Emplastros ou profissionais da pose.
Gosto da gravata azul e branca de Santana Lopes.
Gosto da gravata do discursante dos “Verdes”. Gostei que pelo menos um deputado não usasse gravata no uso da palavra, uma camisa sem colarinho e um casaco militarizado. Bravo! A luta continua!
Mas os cravos vermelhos são cada vez mais um mero adereço, até nos arranjos florais onde impera agora o verde dos fetos e quejandos artifícios ornamentais. Meros adereços. Os cravos vermelhos são cada vez mais a gaguez de alguns líderes que não sabem bem porque ainda estão ali. Ou porque já estão ali, eles que nem nascidos eram em 74. Pois, nada mais sabem fazer. Cresceram no carreirismo, na militância.
Mas, mais do que isso e perdoem-me a deformação jornalística, fica-me a imagem de um cravo caído no chão em que ninguém reparou, nem mesmo os guardiões – ou guardiães, quero lá saber – do cesto de onde mãos de políticos colhem, por encomenda, a flor de Abril. Para a fotografia.
Os senhores da história recente continuam a caminhar pela passadeira vermelha.
E o cravo continua ali, caído. No chão da pose. No mármore em que se sepultam os mitos.
E eu já não sei se a Assembleia da República é o monumento vivo da vida democrática ou o mausoléu dos ideais enterrados, um teatro de rotinas, um albergue espanhol. O tecto da cadeia carreirista.
Foi há 34 anos.
Um ideal que durou uma semana. Quando, no 1.º de Maio, regressou a casa o povo. Depois da festa.
Como dizia Solnado, a festa dos cravos foi bonita, pá, mas o pior é quando chegar a conta da florista.