Vou falar-te de flores, agora
daquelas flores lânguidas, róseas e ácidas
às vezes, caídas
dum terraço ajardinado
alvo de branco puro caiado a espraiar-se
para o azul acetinado do Tejo.
E ao fundo, sempre ao fundo, há uma viela
escura de sombras caídas
para os degraus graníticos desgastados,
como a vida,
das velhas varinas aí residentes.
No seu rosto curtido
pelo sol e sal salgado da brisa do mar
há palavras que não precisam dizer
nem falar
do suor que verteram em lágrimas
que nem sempre foram as flores de que te falo
agora.
Vou falar-te de flores…
Falemos de flores
flores que sejam vermelhas sem serem de sangue vertido
em campos de batalhas.
Sem serem aquelas flores depositadas
em campas amortalhadas.
Flores que sejam rosas sem espinhos
amarelas lilases brancas vermelhas
dum vermelho puro e virgem
de todas as cores.
Como aquelas doutros tempos que colocavas
nos anéis dos teus cabelos loiros
dependuradas.
Flores doces que derribem desses terraços
e bordem o branco caiado dos muros
e manchem
e acolchetem as pedras do chão
das ruas empedradas
e apaguem todas as dores.
Falemos de flores…
Rosas, malmequeres, margaridas do campo
de pétalas suaves
a bordejar a tua blusa de organdim
quando, em queda livre, eram levadas contigo,
pela aragem da tarde que guardavam em segredo
o medo do nosso último beijo
ao fugires de mim.
Pétalas que nós arrancávamos
num mal-me-quer bem-me-quer desesperado
num olhar envergonhado em interrogações
inquietantes
inquietas
ausentes, de olhos pregados no chão
e pensamento perdido
num horizonte ébrio e sem tréguas.
Deixa que te fale de flores, agora
como antigamente…
com calma, calmamente
e doçura.
Escuta-me sem nada dizeres.
Respira apenas…
Com a tua boca à minha colada respira.
Sorve-me o ar
sente que leva consigo os sonhos
que soltámos em cada pétala caída
nesse mal-me-quer bem-me-quer desesperado
das flores que desfolhámos
na vida.