Calaram o vento. Esconderam de mim e de ti a nossa folha de papel que íamos tingindo com o pensamento e que dobravas carinhosamente em teus cabelos cor de mundo.
As folhas das árvores permanecem quietas, esperando que um dia o vento se solte e as leve a ver outras terras, mas o tempo esqueceu-se de tudo, virou a alma do avesso e adormeceu nos braços cambaleantes da vida.
Os dias cruzam-se monotonamente com as noites em estranhos bailados que a Lua faz com o Sol. Os Homens, cá em baixo, arrastam o corpo como se não lhes pertencesse, já não se conhecem nem se cumprimentam, parecem autómatos a andar de um lado para outro pesarosamente, sem destino, sem rumo.
Contam-se os últimos dias trocados por minutos e segundos para que pareçam mais longos. Já não existe ciclo de vida, predadores ou presas. O último clarão exterminou meio mundo, meia vontade de ser alguma coisa ao ponto de a palavra vida, ela própria, definhar na boca de quem se atreve a soletrá-la, mesmo a pensá-la.
O mar revolta-se todos os dias contra a orla costeira, moldando-a a seu contento e deixando-lhe os restos mortais do que fora a sua vida. A beleza esconde-se dos olhos curiosos de quem ousa erguer a cabeça para procurar alguma razão para continuar a andar e a acreditar. Foi tudo isto que fizemos a nós próprios, um suicídio lento e doloroso que entranha a morte na pele gasta destes velhos corpos e nos velhos corpos dos nossos filhos e netos... e isso deu-nos prazer.
Lembro-me dos anciãos, feitos doutos filósofos pelos anos, como os meus avós, dizerem de cor as cores que estão agora por baixo do cinzento dos nossos olhos, de quando havia algo mais que sobrevivência, quando existia vontade de viver.
Na altura em que lançaram a última bomba todos desejámos que esta nos aniquilasse de vez, enganámo-nos. Agora ainda mais sofremos por saber que já não existem mais bombas ou força para combater, assim arrastamo-nos.
Tentei um dia raspar do chão as cinzas que teimavam em cair, na esperança de encontrar algo que pudesse ter cor, mas em vão, ou negro ou cinzento.
A Poesia é o Bálsamo Harmonioso da Alma