VIAGEM DO POETA À UTOPIA, SEGU(I)NDO UMA NINFA
(Versão ne varietur, não editada)
Não sei se te beije no forte céltico de Santa Tecla, ou se desça contigo até ao castro e junte a história na tua boca.
Não sei se acompanhe o teu olhar pelo Rio Minho, até ao mar salpicado de rochas, e te diga meu amor, como se o infinito fosse a fronteira.
Não sei se te leve a Muxia e entre contigo no Santuário de La Virgen de la Barca. Ou se colha o teu sorriso das Pedras dos Milagres, esses penedos que nos levam ao mar, ali tão perto.
Mas, se não gostares de barroco, depois de subir à Pedra Abaladoira para ver se estamos sem pecado (se estivermos, ela mover-se-á e produzirá aquele gemido lendário que ainda ninguém soube reproduzir), ou passarmos debaixo da Pedra Cadrises, que me doem as costas, iremos a Laxe. Sentar-te-ás em frente do Cristo medieval, pintado sobre madeira, e descerás comigo ao corpo da igreja de Santa Maria Atalaia.
Quero-te ali, no canto obscuro das tábuas gastas pelo tempo e pela maresia. Arranhando as pedras. Afogando o prazer.
Lerás comigo as inscrições de Noia, sejam elas da neta de Noé - Noela, que ali terá aportado e dado o nome à terra - ou sejam, simplesmente, iniciáticas, misteriosas, como os últimos habitantes da Atlântida, que ali terão sobrevivido.
Subiremos ao Olimpo Céltico, o Monte Pindo. Quero beber o teu sabor, deitada sobre a massa de quartzo cor-de-rosa que se atira sobre o mar.
Ferveremos em lume lento, no caminho de Finisterra.
Quero-te no ponto. Os sucos crepitando devagar. A mão no teu seio, o olhar bem dentro. Porque na Costa da Morte se vive depressa, mas são lentos os prazeres.
Deitemo-nos na Playa Langosteira. Ou dentro de um barco. Estamos sós, ancorados um no outro. E, se uma gaivota cortar o silêncio, deixa. A liberdade escreve-se nestes céus com a simplicidade da natureza cerzida pela lenda. E haverá as majas. Celtas e feias, mas benfazejas para os amantes.
Tenho a certeza de que, enquanto nos apertamos nos corpos, elas estão a apostar para onde iremos a seguir, deitar-nos com os afectos, calar as emoções, vergastar este tesão que se desata da pele, e cresce e se humedece. E me faz mordiscar-te os sussurros.
Onde te levarei?
Em que pedra estenderei o cobertor da paixão?
Em que paisagem te desfrutarei, agora que poderás gritar com ímpeto a entrega, que o vento o elevará à dimensão cósmica da magia?
Pois, a mais risonha das Majas adivinhou. Ela é a madrinha dos momentos inopinados. Dos amores que fervem. Das paixões acicatadas. Mas também dos sonhos. E dos amores impossíveis.
Ela sabe que quero misturar-me contigo em Corme. Que quero completar o ciclo do inexequível. Ela conhece o meu olhar, não se esqueceu de mim, sentado, um dia, no primeiro dos cruzeiros, virado para o mar, à espera que ele me convidasse a saltar no vazio. Foi ela que colocou aquela criança a tropeçar na urze, atrás de mim. E o seu grito acordou-me da tentação pelo abismo, eu que era um abismo à procura do fim.
Sim, é aí. Na Punta do Roncudo. Onde mil sons do mar nos falam de naufrágios, marcados na pedra.
Agasalho-te. Porque, hoje, o meu naufrágio inteiro és tu.
Porque, hoje, o meu porto de abrigo és tu.
Naufrágio, porto, farol, a trilogia que te escrevo no corpo, mas que quero gravar na alma.
Tu serás o último cruzeiro. A última elevação. A última costa, alcantilada e sublime como um ramo de giestas preso na vertente.
Hoje, poderás chamar-me paixão, falar de amor, que só a nortada será cúmplice.
Hoje, podes ser tu. Sereia ou maja, tapete de urze, vaga de sal no meu corpo, brisa, cheiro de infinitos sabores.
Hoje, seremos só nós.
Perco-me no mar dos teus olhos, enquanto um arrepio me traz o voo da maja, e, no meu ouvido, cristaliza a sua sentença: “Só os amores impossíveis são infinitos”.
Reacendes-te. Reacendo-me.
E no mapa das tuas costas eu escrevo o meu nome. Com sal.
E, como Goya, também eu tenho a minha “Maja desnuda”. Ou, como Lucas Cranach, a “Ninfa da Primavera”.