Não há palavras
Estou exausto. Farto de tentar aquilo que me ultrapassa, que começo a sentir muito para além das minhas capacidades.
Até aqui julgava-me capaz de reduzir a palavras, de forma razoável, as minhas emoções ou vivências.
Hoje, e decididamente, despi-me dessa pretensão que agora reconheço infantil, imprópria de um homem forçosamente amadurecido por uma experiência feita de um vasto punhado de décadas.
A partir de hoje poderei continuar a sentir-me capaz de escrever alguma coisa pelos caminhos que passam entre o sofrível e o medíocre. Mas com estofo para expressar por palavras as minhas emoções profundas, as que vogam nas ondas da ternura, da saudade, do Amor, da dor profunda, isso não. Como sói dizer-se, foi chão que deixou de dar uvas. Porventura nunca as terá dado…
É que hoje vi – com a clareza com que o poeta diz que viu - no écran da minha televisão, comodamente instalado e quando fazia o “quilo” de uma refeição que embora modesta não deixou de ser substancial, vi –dizia eu - um pai a depor o corpo do próprio filho nas profundas de uma cova aberta algures, nas entranhas de inóspita montanha do Oriente Médio.
Depois de enterrarem o filho, e na sua fuga desesperada, aqueles pais – não cheguei a reconhecer a mãe, mas ela estava - prosseguiriam a sua caminhada que nem ouso qualificar, decerto na expectativa de pouparem à morte algum filho mais que lhes sobejasse…
Obvio que aqueles pais não descobririam nunca mais aquele recanto do mundo aonde devolveram à terra o fruto inestimável e insubstituível do seu amor.
Lágrimas nos olhos daquele pai? Talvez não houvesse já naquela alma espaço para as lágrimas.
A mãe? Não. Não tenho palavras.
Não Aquilo que hoje eu vi, não é possível.
Antonius
(Novembro de 1991)
P.S. Esta reflexão, que me foi ditada por circunstâncias de há cerca de dezoito anos( 1ª guerra do Golfo), acorda-me nesta hora para uma realidade que todos conhecemos, mas cuja grandeza e brutalidade justificam sempre uma alusão. Para mim uma espécie de necessidade de periódicamente me consciencializar e se resume a estas breves palavras: As coisas boas da vida, o amor, a ternura, a amizade o próprio lado positivo da saudade, são-nos presenteados pelos nossos humanos semelhantes; mas também o mal querer, a arrogância, a sobranceria, o próprio odio, são-nos oferecidos, não sei se de bandeja, também pelos nossos semelhantes. Acho perturbadora esta constatação.