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Cais da Memória - Capitulo II - Iniciando a Caminhada

 
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Fria, a Noite apodera-se de mim, reeditando o meu lado mais triste. Não sei como estás desde o nosso primeiro encontro, não sei se tinhas pensado em algo para conversarmos hoje, não sei sequer se desejas conversar ou permanecer em silêncio. Confesso-te que hoje estou profundamente deprimido, como se o amanhã fosse apenas o prolongamento deste sofrimento que não te sei explicar... Não sei o que vou escrever nem sobre o que escrever. Passa-se algo semelhante ao que acontece com a minha vida. Penso que desaprendi de viver ou interiorizei que não havia nenhuma razão para continuar... Deves estar a pensar que tenho ideias suicidas ou algo do género...? Não, de facto, por absurdo que pareça afirmá-lo, na realidade, amo a vida nas sua dimensão mais nobre, a Vida pela Vida!
Falando da vida, acho que deviamos conversar um pouco sobre a forma como O DIREITO À VIDA, é desrespeitado em todos os instantes e todos os lugares. Afirmo que o desrespeito pela vida acontece em cada instante em todas as latitudes, incluindo os países ditos "civilizados", porque, de facto tal acontece.
Já pensaste que em Portugal todos o dias se viola o direito à vida de alguns milhões de pessoas; sim, escrevi milhões e não o fiz por engano ou exagero. Lembremos os reformados e pensionistas, obrigados a viver com pensões de pobreza extrema; normalmente, estas pessoas são idosas, doentes e maltratadas, muitas delas vivem em lares da terceira idade, desprovidas de direitos. Os lares, esses lugares de purgatório, onde no fim da vida útil, alguém nos coloca para nos vir buscar um dia depois de nos calarmos para sempre... Reconheço que há casos e casos, no entanto, o resultado não deixa de ser melhor por isso.
Ao conversármos sobre isso, lembrei-me agora de um amigo que deu entrada num desses antros de morte. Recordo-me da forma como ele tratou os filhos durante toda a vida, deu-lhes carinho e ternura, dinheiro e bens, deu-lhes tudo o que possas imaginar... No entanto, na curva da vida, arranjaram-lhe um lar muito bom, daqueles lares muito caros, colocaram-no lá "porque era a melhor solução para ele"... é obvio que era a melhor solução para eles, que assim se livravam de todos os inconvenientes pessoais e sociais que um velho representa, mesmo quando este velho é o nosso Pai ou Mãe e nos amou toda a vida!
Hoje o meu amigo, chamemos-lhe Gil, para lhe darmos um nome que não é o dele, morre todos os dias no desespero de ter que enfrentar mais um dia sem o amor e a ternura que um dia conheceu e quase acreditou na sua eternidade...
Não quero personalizar este assunto, porque seria injusto, devemos falar do drama dos velhos de forma genérica, dando-lhe voz ou fazendo eco dela, mesmo que essa forma de transmitir algo nos seja forçosamente estranha, porque são eles quem sofre no corpo e na alma o sofrimento que aqui podemos de alguma forma denunciar. Se estiveres de acordo, vamos fazer deste assunto uma bandeira, vamos aprofundá-lo.
Desculpa esta ausência de discurso fluente e organizado, como já percebeste não estou nada bem, sinto dificuldade em pensar, as ideias e as palavras atraiçoam-me...



Barão de Campos

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baraocampos
 
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