Poesia, nm LITERATURA. As concepções de poesia são muito diversas, segundo as épocas, os países e os autores. Defini-la é para alguns quase sacrilégio e não se pode dar mais do que uma ideia aproximada da sua natureza instintiva e irracional. O encantamento não é susceptível de racionalização: a poesia é fruto de um arrebatamento, de uma paixão, de um delírio que a lógica não consegue apreender. Por vezes, é mesmo aventura mística, que segundo Bremond chega a confundir-se com a oração. Para alguns a poesia é conhecimento. «É preciso chegar ao desconhecido pelo desregramento de todos os sentidos» - diz Rimbaud. E os parnasianos exaltam a aliança da ciência e da arte numa poesia erudita cuja finalidade é realizar a beleza. Paul Valéry insiste na palavra grega poiésis, cujo sentido etimológico é fazer, para ele, a poesia é fruto de um trabalho consciente. Enfim, para o surrealismo a poesia deve procurar o insólito. É tanto o instrumento de uma descoberta do inconsciente como o de uma libertação de servidões morais e estéticas. Comprometida, deve reflectir a imagem atormentada do nosso mundo.
Se da prosa é possível dizer que pode ter uma função utilitária (veicula informações, nomeia os objectos), para o poeta as palavras não são instrumentos: isto explica que ele crie uma linguagem específica, com regras próprias. O ritmo, a rima, a musicalidade, a imagem são elementos essenciais dela. O ritmo, ligado à respiração, traduz os sentimentos humanos, desde a brevidade do grito até às sinuosidades da melopeia. Toma a cadência do verso que, disposto tipograficamente numa linha, soma um certo número de sílabas, igual para cada verso, na poesia clássica. O ritmo marca as pausas do poema. Segundo a fantasia da sua inspiração, os poetas utilizaram diversas formas: a estrofe (ou estância), comparável ao parágrafo num texto em prosa, constitui um todo orgânico dentro do poema. Assim, na terça rima, os versos apresentam-se em tercetos (como na Divina Comédia de Dante). A quadra é correntemente utilizada desde a antiguidade (Epigramas de Marcial): estrofe de quatro versos, basta-se a si própria pelo sentido. A sextilha data do século XII: é composta por seis estrofes, todas com seis versos, e por uma meia estrofe de três versos no final; as palavras que rimam encontram-se em cada estrofe, mas numa ordem diferente. Um dos versos mais sonoros é o alexandrino, composto de doze sílabas. Diz-se que um verso é monosilábico quando cada palavra que o constitui tem só uma sílaba. Repetição simétrica de um som no fim de cada verso, a rima era na arte poética tradicional objecto de leis precisas. Além dos versos regulares, distinguem-se os versos livres, que os simbolistas, sobretudo, usaram. A extensão do verso e a estrutura da estrofe não estão submetidas a regras fixas como, por exemplo, no soneto. A emoção ou o devaneio dita o ritmo do poema. A rima atenua-se em assonância ou desaparece mesmo. Mas, para lá da música, as imagens e as metáforas (simples comparações, perífrases, etc.) acrescentam ao encantamento verbal um poder como que mágico. Como os poetas clássicos, Hölderlin considerava que a divisão em géneros era necessária. Distinguia a poesia épica da poesia trágica (ou dramática) e da poesia lírica. A poesia épica celebra um feito heróico. Compreende um argumento e põe em cena personagens fabulosas. A este género pertencem a epopeia e a balada épica, que era na Idade Média uma canção popular dançada. A poesia dramática compreende também uma história em forma de monólogo ou de diálogo. Tem correlação com o teatro (tragádia, comédia ou drama) e a ópera. A poesia lírica sobre os temas do amor, da morte e da fuga do tempo exprime a personalidade e a sensibilidade do autor. A elegia, a ode, o soneto pertencem a este género. A balada compõe-se de três estrofes de seis, oito ou dez versos, de medida e rimas idênticas. O rondel e o rondó são peças breves que compreendem só duas rimas e em que um dos versos é repetido várias vezes. Por último, o lai, criado por Maria de França, confunde-se facilmente com o romance em verso. A estes três géneros poéticos principais pode-se acrescentar a poesia didáctica, que procura instruir (fábulas, sátiras, epístolas), e a poesia bucólica, que descreve a vida campestre: a écloga, muitas vezes dialogada, inspirou os antigos: Teócrito, depois Virgílio, Petrarca e Ronsard. Nos idílios o tema é amoroso e pastoral.
A poesia acompanhou todas as transformações, sobressaltos e movimentos artísticos do século XX, resultando não na abolição dos géneros tradicionais, mas na recusa das suas convenções. O poeta moderno impõe-se as suas próprias regras: vê-se constrangido a inventar uma linguagem nova para lançar um olhar, também novo, sobre um mundo em transformação incessante.
Citado de: Dicionário Enciclopédico de Português, Editorial Verbo, S.A., 2006
Ainda não me satisfaz suficientemente esta definição, mas é um início...
Boa semana!
Garrido Carvalho