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O Massacre de Porongos e a Capitulação de Ponche Verde

 
A PASSAGEM, NO DIA 14 DE NOVEMBRO DE 2004, DO 160º ANIVERSÁRIO DO COMBATE DOS PORONGOS E A PROXIMIDADE DE MAIS UM DECÊNIO DO FINAL DA REVOLUÇÃO FARROUPILHA, DESPERTAM A ATENÇÃO DO PÚBLICO. ADEMAIS, PROVOCAM DISCUSSÕES ENTRE PESQUISADORES E INTERESSADOS NO ASSUNTO. A PROPÓSITO, O HISTORIADOR MOACYR FLORES, AUTOR DE DIVERSAS OBRAS SOBRE AQUELE PERÍODO E UM DOS RESPONSÁVEIS PELA PUBLICAÇÃO DE MILHARES DE DOCUMENTOS CONHECIDOS COMO COLEÇÃO VARELA (CV), DEU A LUME O LIVRO “NEGROS NA REVOLUÇÃO FARROUPILHA – TRAIÇÃO EM PORONGOS E FARSA EM PONCHE VERDE” (EST, PORTO ALEGRE, 2004), RESUMINDO A VISÃO OBJETIVA SOBRE AQUELES DOIS EPISÓDIOS UMBILICALMENTE LIGADOS.
O texto abaixo, é, em essência, o que foi publicado no Jornal Rotta/Jornal Cidade, de Passo Fundo, ANO 6 – II FASE – Nº 104, de 15 a 30 de novembro de 2004, sob o título de “Massacre em Porongos e Capitulação em Ponche Verde”. Nele, compulsando e confrontando documentos sobre aquele período histórico, aproveitei a oportunidade para divulgar um dos fatos mais vergonhosos da História do Rio Grande do Sul e da Revolução Farroupilha.
O historiador português José Caldas, em “História de um Fogo Morto” (Livraria Chardron. Porto, 1903), escrevendo sobre Vianna, cidade onde nasceu, dedicou longos parágrafos sobre a mitificação historiográfica. É-me impossível resistir à tentação de transcrever alguns deles.
Eis como abre o livro:
“Não conhecermos a nossa própria história é de bárbaro; conhecê-la, porém, viciada, tecida de burlas e de piedosas fraudes, é pior. Por que, no primeiro caso, com não sabermos quem somos, nem nos dizerem donde viemos, essa mesma ignorância obstará a que perpetremos muitos desconcertos; ao passo que se laborarmos no vício de uma falsa informação, daremos, muitas vezes, com a memória das fábulas que nos tiverem ensinado, razão sobeja e justificada a que se riam de nós.
Desde a antigüidade clássica, que a história dos povos, como resenha biográfica de dominadores vaidosos, que tentam impor à posteridade o último eco do seu orgulho insolente, é uma conspiração, já dizia José de Maistre, da mentira contra a verdade dos sucessos. Quase não há história de povos; há história de reis. Como o poder, ainda o mais detestado, é sempre munífico, nunca faltam nem aos maiores heróis nem aos mais odiosos déspotas, quem lhes exagerasse ou inventasse os merecimentos”.
A história de Passo Fundo, do Rio Grande do Sul e do Brasil, tem sido, exatamente aquilo que José Caldas, há mais de um século, percorrendo os textos históricos desde os gregos até os autores mais recentes, encontraria em muitos deles: “uma conspiração da mentira contra a verdade dos sucessos”.
Dois desses casos de “conspiração” ligam-se umbilicalmente: o massacre de Porongos e a capitulação de Ponche Verde, acertados entre o “efeminado maricas” David Canabarro e o Barão de Caxias, através dos puxa-sacos de ambos os dois generais.
No Rio Grande do Sul, salvo raras e honrosas exceções, os homens que escreveram e continuam escrevendo “nossa história” têm sido meros lambe-botas de estancieiros e generais.
Por isso, mais do que nunca, é urgente que se divulgue os fatos como eles verdadeiramente ocorreram. Ainda que correndo os riscos corridos por Domingos José de Almeida, o primeiro que tentou escrever uma história da Revolução Rio-Grandense de 1835.
Estes – e outros – despretensiosos trabalhos que venho publicando nos últimos tempos, prendem-se, visceralmente, a essa urgência urgentíssima.
Passo Fundo, RS, 10 de outubro de 2005.


O Combate dos Porongos - O Combate dos Porongos é um dos fatos mais controversos da História do Rio Grande do Sul. Nele a força imperial comandada pelo coronel Francisco Pedro de Abreu, conhecido como Chico Pedro, Moringue ou Fuinha, caiu sobre o 1º Corpo de Lanceiros de Linha, constituído quase exclusivamente por negros comandados pelo coronel Joaquim Teixeira Nunes. Também a infantaria foi atacada, após ter entregue, na véspera, o cartuchame por ordem do próprio general Davi Canabarro, comandante máximo das forças farroupilhas.
Há uma carta de Luis Alves de Lima e Silva, Duque de Caxias, que presidia a província e comandava as forças do Império em operações no Rio Grande do Sul, ordenando Chico Pedro quanto à hora em que o acampamento dos Porongos deveria ser atacado, poupando-se “sangue brasileiro e quanto puder, particularmente da gente branca da Província ou índios, pois bem sabe que essa pobre gente ainda nos pode ser útil no futuro” (Anexos 3.1 e 3.2). É contestada por historiadores que apresentam uma visão mítica dos comandantes e combatentes farroupilhas, assegurando ter sido esse documento forjado por Moringue. A ordem de Caxias sempre foi considerada verdadeira por homens como Manuel Alves da Silva Caldeira, responsável pela condução do estandarte do 1º Corpo de Lanceiros de Linha, e Domingos José de Almeida, que chegou a ministro da Fazenda da República Rio-Grandense.
Manuel Alves da Silva Caldeira, que serviu quase toda a revolução no 1º Corpo de Lanceiros de Linha, deixou longos relatórios sobre o movimento armado, contestando autores de trabalhos históricos como Tristão de Alencar Araripe, Assis Brasil e Alfredo Ferreira Rodrigues. É o que consta de uma carta dirigida ao historiador Alfredo Varela, conforme passagem transcrita por Moacyr Flores (Op. Cit., págs. 57 e 58): “Araripe diz que Canabarro foi surpreendido nos Porongos. Assis Brasil, navegando nas águas do batel do Araripe, diz o mesmo, e o Sr. Alfredo Ferreira Rodrigues também segue a opinião, deles, inocentando Canabarro pela traição que fez em Porongos. Forjem os documentos que quiserem para defender Canabarro que não conseguirão salvá-lo (CV3102)”. Domingos José de Almeida coletou ampla documentação, pois pretendia escrever uma História da República Rio-Grandense. Deixou declaração confirmando ter visto a ordem de Caxias para que os lanceiros negros fossem massacrados, atestando sua autenticidade visto que reconhecia a letra de quem escrevia os atos oficiais e a assinatura do comandante legalista.
Na correspondência de Domingos José de Almeida, solicitando informações e papéis referentes à Revolução Farroupilha, insistia no pedido de dados sobre o “negócio dos Porongos”, referindo-se aos episódios antes, durante e depois do ataque.
Desde que sua intenção de escrever a História da República Rio-Grandense tornou-se pública passou a sofrer oposição de todos os lados, inclusive ameaças de morte. E os empecilhos para que não publicasse a obra se deviam fundamentalmente ao “negócio dos Porongos” . Por isso, após referências ao combate termina uma carta ao tenente-coronel Manuel Antunes da Porciúncula nestes termos: “Eis meu Antunes porque não querem que eu escreva essa História: e eu estarei livre de algum assassinato! O futuro o dirá!
Adeus:
recomenda-me à Sra., nosso velho F. e amigos”.
Almeida não escreveu sua História, mas deixou grande número de documentos indispensáveis para a reconstrução daquele período. Suas pesquisas levariam à revelação de fatos de tal gravidade que o faziam temer pela própria vida.
Domingos José de Almeida estava convicto de que houve um “negócio” (portanto um acerto, um acordo entre Caxias e Canabarro) para eliminar os negros que integravam as forças farroupilhas.
Moacyr Flores (Idem, págs. 71 e 72) conta que Bento Gonçalves manteve encontros e troca de correspondência com Caxias sobre a pacificação do Rio Grande. “A maior dificuldade – escreve o historiador – eram as exigências de Bento Gonçalves que não concordava com os termos das instruções”. As restrições do general farroupilha eram especialmente quanto à quinta cláusula, ao estabelecer que “Os escravos que fizerem parte das forças rebeldes apresentadas serão remetidos a esta Corte à disposição do governo Imperial, que lhes dará conveniente destino”. Por isso, os prisioneiros de Porongos foram levados para o Rio de Janeiro.
Uma das missivas de Bento Gonçalves foi interceptada pelo grupo de Davi Canabarro, de cujo núcleo central também faziam parte José Gomes de Vasconcelos Jardim, então presidente da República, os ministros Manuel Lucas de Oliveira e Pe. Chagas e Antônio Vicente da Fontoura. Este, que estava no acampamento dos Porongos, partiria, no dia seguinte ao combate, para o Rio de Janeiro, onde foi negociar um acordo de paz com o governo imperial.
Moacyr Flores lembra (Ibidem, p. 57) que, em 1842, no Alegrete, foi organizada uma sociedade secreta para tratar da pacificação do Rio Grande. Membros dessa organização, como Davi Canabarro, aceitavam a paz nos termos propostos pelo Império. Bento Gonçalves da Silva, que julgava humilhantes as condições oficiais, ao obrigarem os farroupilhas à solicitação de anistia e à entrega dos soldados negros, não concordava com elas. Para apressar o fim da Revolução o grupo de Canabarro acertou , com Caxias, a “traição (...) em Porongos”.
O Brasil dependia da economia escravista. Assumir a libertação pura e simples dos escravos que lutaram sob o governo da República Rio-Grandense – e até mesmo reconhecer a existência desse governo – era negar a essência do próprio regime brasileiro, abrindo um precedente perigoso. Qualquer insurreição teria facilidades em reunir um exército, bastava acenar com a libertação dos escravos que a seguissem. Depois, o que fazer com os negros libertos? Tanto poderiam tornar-se um exército mercenário a serviço das repúblicas platinas quanto fortalecerem os pequenos quilombos espalhados pelas serras rio-grandenses. E se esses negros se unissem aos caigangues, que não gostavam do governo dos brancos?
A única solução prática e imediata, tanto para o governo do Império quanto para os escravistas gaúchos, era o que aconteceu em Porongos: eliminar os farroupilhas negros.
Antônio Vicente da Fontoura era racista. E racistas eram a maioria dos oficiais que se submetiam ao comando de Canabarro. Legou-nos um precioso documento sobre o período, inclusive sob a vida íntima de alguns altos dignitários farrapos. É intitulado “Diário” (EDUCS/SULINA/MARTINS, 1984). Nele está documentada a homossexualidade de David Canabarro.
A Capitulação de Ponche Verde - Quando aconteceu o “negócio dos Porongos” as forças farroupilhas estavam isoladas entre si. Os comandantes apresentavam sérias divergências pessoais. Caxias tinha o controle completo da situação. Tanto que Canabarro pediu permissão para reunir e aquartelar suas forças em Ponche Verde.
Bento Gonçalves da Silva, a 6 de março de 1845, define o exército de Canabarro como “massa sem governo, sem ordem nem disciplina”. E, referindo-se à política do governo republicano rio-grandense, acrescenta que “O resultado de tanta asneira foi ser batida vergonhosamente aquela massa desordenada e por fim termos uma paz que só conseguimos alguma vantagem pela generosidade do barão, deste homem verdadeiramente amigo dos rio-grandenses, que não podendo fazer-nos publicamente bem por causa da péssima escolha dos negociadores e da estupidez sem igual dos que os designaram, nos fez o que não podíamos já esperar, salvando assim em grande parte nossa dignidade”. (Coletânea de Documentos de Bento Gonçalves da Silva, p. 259, Comissão Executiva do Sesquicentenário da Revolução Farroupilha, Porto Alegre, 1985).
Uma vez enfraquecidas as principais forças de resistência farroupilha, os lanceiros negros e “os infantes desarmados por ordem de Canabarro e mortos pelos soldados do coronel Abreu”, como escreve Moacyr Flores (Op. Cit., p. 61), presos ou mortos os dissidentes como é o caso de Joaquim Teixeira Nunes, possivelmente entregue pelos próprios companheiros, ou isolados como Bento Gonçalves, estava aberto o caminho para que as exigências da Corte fossem aceitas.
Para tanto, foi montada uma verdadeira conspiração de silêncio, ocultando-se ou desmoralizando documentos importantes para o entendimento dos fatos. Em termos de desmoralização, o centro é a ordem de Caxias para que Chico Pedro atacasse o acampamento dos Porongos (Anexos 3.1 e 3.2). Canabarro foi adredemente avisado de que seria atacado por Moringue e zombou das advertências. Poucas horas antes do combate mandou retirar as munições da infantaria, ordenou a retirada de parte do seu arquivo e a permanência de outra junto com sua amante, a Papagaia, e do médico com quem era casada.
Se alguém poderia colocar em dúvida a autenticidade dessa ordem não há mais motivos para isso desde que ela passou a fazer parte de publicações patrocinadas pelo Exército Brasileiro com “Ofícios do Barão de Caxias de 1842 a 1845” (Imprensa Militar, Rio de Janeiro, 1950, págs. 148-149). Se até uma editora oficial acolhe como verdadeira a ordem para que, preferencialmente, os negros fossem mortos, é inadmissível que alguém continue advogando sua falsidade.
Moacyr Flores (Idem, p. 72 e seguintes) cita diversos documentos de Caxias comprovando que os farroupilhas, através de Antônio Vicente da Fontoura, pediram-lhe permissão para se reunirem e que ele lhes autorizou que isso acontecesse na Estância dos Cunhas, em Ponche Verde. Ordenou que Moringue continuasse a perseguição aos rebeldes, menos em Ponche Verde. Mandou que o comandante militar de Piratini vigiasse Bento Gonçalves.
A ata de paz (Anexo 3.4) foi assinada, apenas por oficiais farroupilhas, a 25 de fevereiro de 1845. No mesmo dia Manuel Lucas de Oliveira, ministro e secretário dos negócios da Guerra dos farroupilhas, encaminhava a ata a Caxias, acompanhada de ofício que rezava textualmente: “Só falta Exmo. Sr. para decisão definitiva do transcendente objeto que V. Exa. se digne transmitir as autênticas concessões do Governo Imperial para serem públicas (...)” (Henrique O. Wiederspahn, “O Convênio de Ponche Verde”, EST/SULINA/UCS, 1980, p. 99).
“Caxias não respondeu e nem publicou os termos da paz”, conclui Moacyr Flores (Op. Cit., p. 75). Apenas expediu uma proclamação, com data de 1o. de março de 1845, anunciando a pacificação e a anistia, esta nos termos do Decreto Imperial de 18 de dezembro de 1844 (Anexo 3.8, conferir com 3.3). Esse decreto desapareceu dos arquivos oficiais, como nota Edna Gondin de Freitas, chefe da Seção de Legislação Brasileira da Câmara dos Deputados, na apresentação da coletânea “Anistia; Legislação Brasileira, 1822-1879” (Câmara dos Deputados, Brasília, 1980). Sobrou, porém, uma cópia desse decreto (Anexo 3.6), preservada por Domingos José de Almeida (Coleção Varela no. 2178).
Durante muito tempo os farroupilhas apresentaram como o “Tratado de Ponche Verde”, um documento assinado por Antônio Vicente da Fontoura.
Segundo Henrique O. Wiederspahn (Op. Cit., págs. 11 e 12) Caxias modificou o documento elaborado pelos farroupilhas (Anexo 3.5).
Em 1880 Tristão de Alencar Araripe divulgou um texto bastante diferente das versões elaboradas pelos revolucionários e Conde de Caxias, conforme se vê na edição fac-símile de seu livro “Guerra Civil no Rio Grande do Sul” (Corag, Porto Alegre, 1986, p. 178).
Como notam os historiadores, há divergências entre essas três versões do acordo, especialmente com a que Tristão de Alencar Araripe pôs em circulação. As diversas solicitações feitas, inclusive por próceres farroupilhas, de indenização por seus escravos que serviram nas forças republicanas comprovam que, de fato, vigoraram os termos recolhidos pelo historiador cearense.
Para colocar a história dentro da terminologia contemporânea, no dia 14 de novembro de 1844, no Cerro dos Porongos, próximo à atual cidade de Pinheiro Machado, aconteceu um massacre. Deliberadamente, o Império Brasileiro, através do general Luis Alves de Lima e Silva, e a República Rio-Grandense, por intermédio de seu presidente, José Gomes de Vasconcelos Jardim, do comandante das forças farroupilhas, Davi Canabarro, e outros líderes do movimento, promoveram a matança dos negros que integravam o 1o. Corpo de Lanceiros de Linha, e de infantes, que receberam ordem de entregar as munições, e que formavam as frações mais combativas das forças revolucionárias. Com isso, apressavam o fim do movimento armado e eliminavam o maior empecilho à paz: a libertação dos soldados negros. Mais de uma centena deles pereceram no confronto e muitos mais foram remetidos à Corte, como “escravos da Nação”, sendo empregados em serviços do governo ou vendidos para os escravagistas.
Os caudilhos farroupilhas, que integravam uma sociedade secreta, aceitaram as condições impostas pelo Império. Para tanto, fizeram passar como tratado de paz uma convenção por eles inventada. Contribuíram para a morte de líderes que não concordavam com as imposições imperiais, como o coronel Joaquim Teixeira Nunes, e o isolamento de outros. Bento Gonçalves da Silva foi colocado à margem dos acontecimentos, e o general Antônio de Souza Neto exilou-se no Uruguai.
Diga-se, a bem da verdade, que Neto levou consigo duas centenas de negros, que lutavam sob seu comando. Republicano convicto, com certeza temia que seus soldados negros fossem reduzidos à escravidão ou massacrados. Nessa época o Uruguai já havia abolido a escravatura.
Moacyr Flores é até eufêmico ao aplicar os termos “traição” para o que aconteceu no Cerro dos Porongos e “farsa” para o ocorrido em Ponche Verde. Na verdade, houve massacre num lugar e capitulação pura e simples em outro.
No momento em que a discussão sobre “o negócio dos Porongos” ganha as ruas, a leitura do mais novo livro de Moacyr Flores é muito importante. Importante, ainda, é lembrar o que ele escreve à página 16: “Atualmente, a sugestão de que os negros tenham garantido 20% das vagas em universidades é mais uma medida demagógica e discriminatória, atribuindo ao negro uma incapacidade de competir com as demais etnias. Por que não fornecer bolsas de estudos para alunos carentes, a fim de que se preparem melhor para prestar vestibular?”

Documentos Anexados

Carta de Caxias para atacar Porongos
Reservado – Sr. Cel. Francisco Pedro de Abreu, Com. Da 8ª Brigada do Exército - Regule V. S. suas marchas de maneira que no dia 14, às duas horas da madrugada possa atacar as forças a mando de Canabarro, que estará nesse dia no Serro dos Porongos. Não se descuide de mandar bombear o lugar do acampamento de dia, devendo ficar bem certo de que ele há de passar a noite nesse mesmo acampamento. Suas marchas devem ser o mais ocultas que possível seja, inclinando-se sempre sobre a sua direita, pois posso afiançar-lhe que Canabarro e Lucas ajustaram ter as suas observações sobre o lado oposto. No conflito poupe o sangue brasileiro o quanto puder, particularmente da gente branca da Província ou índios, pois bem sabe que essa pobre gente ainda nos pode ser útil no futuro. A relação junta é das pessoas a quem deve dar escápula, se por casualidade caírem prisioneiras. Não receia a infantaria inimiga, pois ela há de receber ordem de um ministro de seu general-em-chefe para entregar o cartuchame sob o pretexto de desconfiarem dela. Se Canabarro ou Lucas forem prisioneiros deve dar-lhes escápula de maneira que ninguém possa nem levemente desconfiar, nem mesmo os outros que eles pedem, que não sejam presos, pois V.S. bem deve conhecer a gravidade deste secreto negócio, que nos levará em poucos dias ao fim da revolta desta Província. Se por acaso cair prisioneiro um cirurgião ou um boticário de Santa Catarina, casado, não lhe registre a sua bagagem, nem consinta que ninguém lhe toque, pois com ela deve estar a de Canabarro. Se por fatalidade, não puder alcançar o lugar que lhe indico, no dia 14, às horas marcadas, deverá desferir o ataque para o dia 15 às mesmas horas, ficando certo de que, neste caso, o acampamento estará mudado um quarto de légua, mais ou menos por essas imediações em que estiveram no dia 14. Se o portador chegar a tempo de que esta importante empresa possa se efetuar, V.S. lhe dará seis onças, pois ele promete-me entregar em suas mãos este ofício até às 4 horas da tarde do dia 11 do corrente. Além de tudo quanto lhe digo nesta ocasião, já V S. deverá estar bem ao fato do Estado das coisas pelo meu ofício de 28 de outubro e, por isso, julgo que o bote será aproveitado desta vez. Todo o segredo e circunspecção é indispensável nesta ocasião, e eu confio no seu zelo e discernimento que não abusará deste importante segredo. Deus Guarde a V. S. Quartel-General da Província e Com.-em-Chefe do Exército, em marcha nas imediações de Bagé, 9 de novembro de 1844 - Barão de Caxias.
Apenso - NOTA IMPORTANTE DO COPIADOR, à p. 148 desta coletânea de ofícios de Caxias: Este ofício deve ser criteriosamente analisado. Há quem tenha suas dúvidas a respeito de sua autenticidade. No Livro 171 do Museu do Estado, ele está deslocado, isto é, foi copiado na última página do mesmo, pág. 249, enquanto o ofício que trata da parte do combate dos Porongos está na pág. 206. O Ofício a que se refere Caxias, de 28 de outubro, contendo o mesmo assunto, não foi possível descobrir. Esse ofício talvez elucidasse o assunto. Vide o que diz a propósito Alfredo Ferreira Rodrigues no Almanaque do Rio Grande do Sul de 1901. A defesa de A. F. Rodrigues de Canabarro me parece fraca. Julgo o documento legítimo, pois Francisco Pedro não teria nenhuma conveniência em divulgar um documento que lhe tiraria todas as honras de uma estrondosa vitória, como foi julgada a surpresa dos Porongos.

Carta de Chico Pedro sobre o Ataque a Porongos
1º - Ofício do Ten.-Cel. Francisco Pedro de Abreu ao Barão de Caxias, datado do campo de Porongos, de 14.11.1844: Hoje ao romper da aurora ataquei ao Canabarro com o seu intitulado exército de mil e tantos homens: foi derrotado completamente, tendo cento e tantos mortos, e trezentos prisioneiros, e julgo excederá muito dos trezentos; porque ainda tenho gente por fora, e estão chegando aos cinco e aos seis; enfim poderiam-se escapar como duzentos e tantos homens a cavalo extraviados, isto mesmo por o campo ser muito montanhoso, e a minha cavalhada estar muito puxada, pelas muitas marchas de noite, e de dia emboscado. No número dos prisioneiros são trinta e quatro oficiais, sendo um deles o Ministro da Fazenda alheia: deixaram toda a bagagem, e alguns até se escaparam em mangas de camisa; perto de mil cavalos.

Instruções Reservadas
Eis o texto integral das referidas Instruções Reservadas:
1º. - No caso que os rebeldes continuem a manifestar desejos de depor as armas o General-em-Chefe poderá admitir essa manifestação de desejos, mas somente por meio de petição assinada pelos principais Chefes, dirigidas a Sua Majestade o Imperador, e concebidas em termos respeitosos, que em nada ofendam ao decoro da Nação e aos princípios fundamentais da lei do Estado.
2º. - O General-em-Chefe é autorizado a deferir imediatamente em nome de Sua Majestade, o Imperador, a qualquer petição que lhe for apresentada pelos Chefes rebeldes para o fim e nos termos indicados no artigo antecedente, e publicará em seguida o Decreto Imperial que nesta ocasião se lhe remete pelo Ministro da Justiça, concedendo ampla Anistia a todos os comprometidos na luta da rebelião, ao qual fará dar a maior publicidade nas diferentes povoações da Província.
3º. - Todos os indivíduos pertencentes às forças rebeldes, que nelas ocuparem postos de Oficiais, serão dispensados indefinidamente do serviço tanto de Linha como da Guarda Nacional, o que será declarado em Ordem do Dia do Exército, mencionando os nomes de tais indivíduos, sem publicar todavia que essa dispensa se dá por serem eles Oficiais. O General-em-Chefe exigirá informações dos Chefes rebeldes sobre os indivíduos em quem concorrer a circunstância indicada, fazendo deles três relações das quais duas serão remetidas, uma à Secretaria de Estado dos Negócios da Guerra, outra à da Justiça, e a terceira ficará guardada no Arquivo da Província.
4º. - O General-em-Chefe poderá entregar a cada um dos indivíduos de que trata o artigo antecedente declaração por escrito da dispensa do serviço de Linha e da Guarda Nacional, mas isto unicamente no que em que julgue esta medida indispensável, quer para conseguir a pacificação, quer para acautelar abusos.
5º. - Os escravos que fizeram parte das forças rebeldes apresentados serão remetidos para esta Corte, à disposição do Governo Imperial, que lhes dará conveniente destino.
6º. - Todas as mais praças das ditas forças serão mandadas retirar para suas casas, e aquelas que voluntariamente quiserem servir no Exército poderão ser admitidas, se o General-em-Chefe o julgar conveniente, distribuindo-as pelos diferentes Corpos.
7º. - O General-em-Chefe não deferirá a petição de reconhecimento da dívida contraída pelos rebeldes, quando porém, apareçam estorvos à terminação da guerra por embaraços pecuniários da parte dos rebeldes, o mesmo General-em-Chefe é autorizado para remover esses embaraços a dispender, das quantias destinadas às despesas gerais da Guerra, até a quantia de trezentos contos de réis. Esta disposição só terá lugar depois da Anistia, e de depostas as Armas rebeldes, e finalmente quando o General-em-Chefe, em sua discrição, entender que há suficiente garantia para que seja eficaz o emprego da medida. O General-em-Chefe que dirigirá esta operação, velará que ela seja concluída de modo que não possa haver reclamação alguma para o futuro.
8º. - Na Ordem do Dia do Exército se declarará que os Oficiais anistiados que tinham postos legais de 1ª ou 2ª Linha, ou da Guarda Nacional, antes da rebelião, ficam em conseqüência da Anistia restituídos ao gozo das prerrogativas e direitos Militares inerentes a esses postos.
9°. - O General-em-Chefe fará constar que o Governo Imperial dará as providências necessárias para a revalidação das dispensas e licenças concedidas pelo Vigário Capitular de nomeação dos rebeldes, depois de lhe haverem sido cassadas as faculdades outorgadas pelo Diocesano, por ser esta medida necessária para a tranqüilidade das consciências e a paz das famílias.
10°. - O General-em-Chefe procurará que os principais Chefes rebeldes, por própria garantia e a bem da futura tranqüilidade da Província, se retirem dela, para qualquer parte de sua livre escolha, dentro ou fora do Império, não sendo para os Estados limítrofes; e somente deixará de insistir sobre esta determinação quando ver que do seu cumprimento resulte a impossibilidade da pacificação.
11º. - Depois de cumpridas as disposições dos Artigos antecedentes o General-em-Chefe fará o Exército Imperial tomar posição tanto na fronteira, como nos pontos interiores que julgar mais adequados, e de tudo dará parte ao Governo, de quem esperará as convenientes ordens.


Ata de Pacificação elaborada pelos Farrapos
1 - O indivíduo que for pelos republicanos indicado presidente da Província, é aprovado pelo Governo Imperial e passará a presidir a Província.
2 - A dívida nacional é paga pelo Governo Imperial, devendo apresentar-se ao Barão a relação dos créditos para ele entregar à pessoa, ou pessoas para isto nomeadas, a importância a que montar a dita dívida.
3 - Os oficiais republicanos que, por nosso Comandante-em-Chefe, forem indicados, passarão a pertencer ao Exército do Brasil no mesmo posto, e os que quiserem suas demissões ou não quiserem pertencer ao Exército, não serão obrigados a servir, tanto em Guarda Nacional, como em 1ª linha.
4 - São livres, e como tais reconhecidos, todos os cativos que serviram na República.
5 - As causas civis, não tendo nulidades escandalosas, são válidas, bem como todas as licenças, e dispensas eclesiásticas.
6 - É garantida a segurança individual e de propriedade, em toda a sua plenitude.
7 - Tendo o Barão de organizar um corpo de linha, receberá para ele todos os oficiais dos republicanos, sempre que assim voluntariamente queiram.
8 - Nossos prisioneiros de guerra serão logo soltos, e aqueles que estão fora da Província, serão reconduzidos a ela.
9 - Não serão reconhecidos em suas patentes os nossos generais; porém, gozam das imunidades dos demais oficiais.
10 - O Governo Imperial vai tratar definitivamente da linha divisória com o Estado Oriental.
11 - Os soldados da República, pelos respectivos comandantes relacionados, ficam isentos de recrutamento de 1ª linha.
12 - Oficiais e soldados que pertenceram ao Exército Imperial, e se apresentaram ao nosso serviço, serão plenamente garantidos como os demais republicanos.

Texto de Tristão de Alencar Araripe
1o. – Anistia geral e plena para todas as pessoas envolvidas na rebelião.
2o. – Isenção de serviço militar e da guarda nacional para todos os indivíduos que tenham servido no exército da rebelião.
3o. – Gozarem os chefes rebeldes das honras dos seus postos.
4o. – Pertencerem os escravos, que serviram como soldados da república, ao estado, que os indenizará aos seus antigos proprietários.

Decreto de Anistia
Recorrendo à minha imperial clemência àqueles de meus súditos que, iludidos e desvairados, têm sustentado na província de São Pedro do Rio Grande do Sul, numa causa atentatória da Constituição política do Estado, dos decretos da minha Imperial Coroa firmados na mesma Constituição e reprovado pela nação inteira; que leal e valorosamente se tem empenhado em debelá-la; e não sendo compatível com os sentimentos do meu coração o negar-lhes a paternal proteção a que os ditos meus súditos se acolhem arrependidos, hei por bem conceder a todos e a cada um deles, plena e absoluta anistia, para que nem judicialmente, nem por outra qualquer maneira, possam ser perseguidos ou de alguma sorte inquietados pelos atos que houverem praticado até a publicação deste decreto nas diversas povoações da referida província.

Convenção de Caxias
Art. 1º. - Fica nomeado Presidente da Província o indivíduo que for indicado pelos republicanos.
Art. 2°. - Pleno e inteiro esquecimento de todos os atos praticados pelos republicanos durante a luta, sem ser, em nenhum caso, permitida a instauração de processos contra eles, nem mesmo para reivindicação de interesses privados.
Art. 3°. - Dar-se pronta liberdade a todos os prisioneiros e serão estes, às custas do Governo Imperial, transportados ao seio de suas famílias, inclusive os que estejam como praça no Exército ou na Armada.
Art. 4°. - Fica garantida a Dívida Pública, segundo o quadro que dela se apresente, em um prazo preventório.
Art. 5°. - Serão revalidados os atos civis das autoridades republicanas, sempre que nestes se observem as leis vigentes.
Art. 6º. - Serão revalidados os atos do Vigário Apostólico.
Art. 7°. - Está garantida pelo Governo Imperial a liberdade dos escravos que tenham servido nas fileiras republicanas, ou nelas existam.
Art. 8°. - Os oficiais republicanos não serão constrangidos a serviço militar algum; e quando, espontaneamente, queiram servir, serão admitidos em seus postos.
Art. 9°. - Os soldados republicanos ficam dispensados do recrutamento.
Art. 10°. - Só os Generais deixam de ser admitidos em seus postos, porém, em tudo mais, gozarão da imunidade concedida aos oficiais.
Art. 11°. - O direito de propriedade é garantido em toda plenitude.
Art. 12°. - Ficam perdoados os desertores do Exército Imperial.
(ass. O Barão de Caxias)

Decreto de 25.11.1844
Hei por bem prorrogar por mais três meses, que serão contados da data em que o presente Decreto chegar às mãos do Barão de Caxias, Presidente da Província de São Pedro do Rio Grande do Sul, a autorização, que lhe foi dada por Decreto de 14 de março do corrente ano, de poder anistiar os indivíduos compreendidos na rebelião da Província do Rio Grande do Sul, que se tornassem dignos da Minha Imperial Clemência, depondo as armas, e submetendo-se ao Meu Governo.
Quanto aos termos da citada portaria de anistia, transcreveremo-la também e de acordo com o seu inteiro teor:
O Barão de Caxias, Viador de Sua Majestade a Imperatriz, Marechal e Ajudante de Campo de Sua Majestade o Imperador, Grão Cruz da Ordem de São Bento de Aviz, Cavaleiro das Imperiais Ordens do Cruzeiro e da Rosa, Condecorado com a Medalha da Guerra da Independência, Presidente e Comandante-em-Chefe do Exército em Operações na Província de São Pedro do Rio Grande do Sul, etc.
Faz saber aos que este título virem que em virtude de autorização que lhe foi conferida por Decreto Imperial de 18 de dezembro de 1844, resolveu conceder a JOCA BENTO CORREA, plena e absoluta anistia; para o que não possa judicialmente, ou por outra qualquer medida ser perseguido, ou de alguma sorte inquietado, pelos atos, que houver praticado durante a revolução desta Província.
Em firmeza do que mandei passar o presente; que vai por assinado, e selado com o Selo das Armas do Império.
Quartel-General da Presidência, e do Comando-em-Chefe do Exército, em São Gabriel, 18 de março de 1845.
(ass.) Barão de Caxias
(Tipografia do Exército)
(*) Paulo Monteiro, autor de centenas de artigos e ensaios sobre literatura e história, pertence a diversas entidades culturais do Brasil e do exterior. Endereço para correspondência e envio de livros para leitura e análise: Paulo Monteiro – Caixa Postal 462 – CEP 99.001-970 – Passo Fundo – RS.



poeta brasileiro da geração do mimeógrafo pertence a diversas entidades culturais do brasil e do exterior estudioso de história é autor de centenas de artigos e ensaios sobre temas culturais literários e históricos

 
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PAULOMONTEIRO
 
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Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 25/05/2009 16:54  Atualizado: 25/05/2009 16:54
 Re: O Massacre de Porongos e a Capitulação de Ponche Verde
Li com todo o interesse este extenso artigo sobre um episódio marcante da então nascente nação brasileira. Ali se jogou, como alguns anos antes, um pouco mais a sul, com a instalação de algumas famílias de colonos idos do norte de Portugal, o destino do imenso brasil actual.
Sugeria que acompanhasse estes seus artigos de um breve resumo sobre os factos em apreço.
Aplaudo.
Abraço