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Noites de África

 
Tags:  diários de África  
 
Segunda, 28 Maio 2007 às 07:14

A noite inicia-se com um black label.

A mesa apinhou com os amigos à volta, entre risos e prosa, que o DJ ainda não desatou a pista. Ficam nos ouvidos timbres de outras alegrias, os olhos ansiosos. A música é amena, internacional.

Quando abre a pista, as notas elevam-se. Os sorrisos suprem a conversa porque os decibéis dominam todos os outros sons, enquanto o cenário se acomoda nas entradas de novas produções de roupa que brilham no laser, nas luzes giratórias, nos holofotes que cobrem todo o espaço de luzes variadas.

Continua a música importada e os primeiros pares tomam lugar na dança.

Mas o grosso do pelotão espera o incontornável. Que ainda não começou. Mas a sexualidade brilha nos olhos. Enquanto se pensa na primeira dama para convidar, percorrem-se os corpos com avidez, traçam-se as curvas, imaginam-se os movimentos.

Entretanto, o ambiente vai aquecendo. Cada vez mais próximo o vulcão.

Inovou-se o ritmo a partir da cabine. O som de África investe, irrompe, poderoso.

Colam-se os corpos. Os movimentos escaldam. Mas os pés ainda se mexem no piso. O mote está lançado, mas os poetas ainda não concluíram as variações do poema que cresce em sensualidade.

As bebidas escorrem, alguns pares saem para o descanso. Que a lide na pista é fogo.

E guardam-se para o que vem a seguir.

Estão todos suspensos do DJ… que ri, descaradamente, na ansiedade de quem quer dançar.

Beberrico o whisky com gelo, muito gelo, a minha parte de “jornalista” espera, aguarda.

Chegou o momento almejado. Na pista não cabe mais ninguém. Reduz-se para centímetros o espaço entre os pares. Noutros cantos, só milímetros. Tudo dança até fora da pista.

Os pés não mexem. Centenas de pélvis concorrem na sensualidade, mexendo, remexendo, os olhos em transe. E elas não param. E eles acompanham. Há espaço a menos e corpos a mais. Tenho que me desencostar da fronteira da pista, porque há dezenas de corpos de femininos encostados à balaustrada, os corpos das mulheres movimentando-se ali, da cinta para baixo, apenas, a cinco centímetros dos meus olhos.

É muito para mim. Confesso. Nem a parte de jornalista consegue a serenidade. Enche-se o copo de gelo, mais um gole de bebida que depressa fica a escaldar, uniforme com o ambiente de fornalha que cresce da pista e arrasa todo o espaço circundante. O ar condicionado nem se nota mais.

É quase uma hora de corpos em frenesi, enchendo da máxima carnalidade e volúpia o recinto todo.

Há tropeções na saída, os olhos estão húmidos de prazer. Meia casa vai embora por volta das duas e meia. Porque não há mais daquela música. Os decibéis em fúria atacam agora o ambiente da pesada.

Quem aguenta?!

Saiu o meu grupo todo, também. No ar aquecido da rua, os corpos invadem-se pelos cantos das árvores, em entradas entre os arbustos, nos carros estacionados mais longe. Já não brilham na escuridão as luzes de tunning. O som é calmo. Os carros não querem mostrar que lá dentro alguém se consome em juras de amor, na paixão partilhada entre dois corpos quentes e jovens que se querem.

Paramos numa estação de serviço, os três jipes. Água fresca, por favor. É urgente tirar de nós o travo da noite. Porque queima.

O jornalista pensa nas palavras. Não as encontra.

O poeta some-se na entrada do quarto e atira-se sobre a cama.

A solidão regressa. O que os seus olhos viram passa para o piso das recordações da vida, uma vida tão diferente.

Porque logo mais tarde, mas bem cedo, há uma viagem longa a encetar, com hora e meia de buracos que engolem o tráfego de uma manhã de domingo.

Chegaremos lá pela noitinha.

É o tempo de escrever alguns momentos com que a vida nos consome.

Boa noite!

 
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asv
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Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 20/05/2009 10:16  Atualizado: 20/05/2009 10:16
 Re: Noites de África
Muito bem escrita tua crônica.
Senti-me lá interagindo.
Meus aplausos!

Abraço, daqui do BR,

rege

Enviado por Tópico
Sterea
Publicado: 22/05/2009 08:41  Atualizado: 22/05/2009 08:41
Membro de honra
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Mensagens: 2999
 Re: Noites de África
Não há dúvida. O jornalista encontrou as palavras, e mais: as mais certas, acertadas e concertadas e concentrou-as num texto que nos queima de tão vivo. Parabéns, quem sabe, sabe, não é qualquer noite de África, seja ela onde for, que tolda a arte do poeta!


Enviado por Tópico
Nanda
Publicado: 22/05/2009 09:49  Atualizado: 22/05/2009 09:49
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Usuário desde: 14/08/2007
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Mensagens: 11099
 Re: Noites de África
ASV,
Um execlente texto pautado pelo frenesi da sensualidade que existe na vida latente.
Bj
Nanda